Cinco dias faltavam para o dia das bruxas, e nem sinal da vizinha. Salvo os ocasionais vislumbres de uma sombra feminina nas janelas de noite, parecia mais que o tal César vivia sozinho que com alguém. Todo dia ele saía logo pela manhã para trabalhar e voltava só tarde da noite, e nesse meio tempo nenhuma movimentação era vista na casa, nem mesmo um par de olhos espiando da janela. Helena não saía para a sacada, não recolhia as correspondências, nem mesmo levava o lixo para fora, era César que fazia tudo.

Num desses dias, vendo o marido sair para o trabalho como sempre fazia, Marcos não aguentou e foi até a casa da frente e bateu na porta. Uma, duas, três vezes e nada. Foi até a janela do quarto do casal e finalmente a viu: uma mulher sentada de frente para rua, usando um lenço grosso no pescoço, o olhava de forma vítrea. O rapaz petrificou no lugar.

— Quando se bate na porta e ninguém responde, supõem-se que ou não tem ninguém em casa ou que não querem receber visitas – falou ela de forma mecânica, movendo os lábios minimamente. Era uma bela moça, com um cabelo loiro trançado na lateral e roupas limpas e simples.

— A senhora está bem?

— Que parte do minha esposa está doente você não entendeu? – replicou ela ignorando completamente a pergunta de Marcos.

— Eu só queria me apresentar devidamente para a senhora, já que até agora não tive a oportunidade de vê-la pessoalmente. Seu marido disse que não pode sair do quarto, vim ver se deseja algo enquanto ele não volta. Eu fiz um bolo para vocês, mas não soube se gostaram ou não.

Ela ficou em silêncio. É impressão minha ou ela não parece piscar? Pensou ele enquanto encarava a figura da sacada, mas dispensou a ideia com um gesto. Não tem como você saber, ela está a alguns metros de distância, pare de ser tão desconfiado Marcos.

— Eu só quero ser deixada em paz, meu marido não gosta que eu fique muito tempo exposta ao sol, mas muito obrigada por se oferecer. E pelo bolo. – ela se afastou lentamente da janela, e ele desconfiou que talvez Helena usasse cadeira de rodas pela forma como se afastou. Devia ser algo grave o que ela tinha.

O rapaz voltou para casa, pegou suas coisas e saiu para começar seu turno no restaurante que trabalhava. O dia passou sem maiores preocupações para ele, mas vez em quando a frase da vizinha vinha em sua mente. O marido não gosta que ela tome sol... Mas isso não faz bem para a saúde? Ainda mais de alguém doente como ela está?

Não fazia sentido algum.

Nos dias que se seguiram, Marcos tentou de todas as formas puxar conversa com a mulher. Ela sempre parecia confinada a janela do segundo andar e ele estava cada vez mais desconfiado daquela história toda.

Um dia bateram na porta de Marcos e ele imediatamente atendeu, surpreendendo-se ao encontrar César na soleira. Ele trazia um embrulho nas mãos.

— Oi César! Precisa de alguma coisa?

— Helena quis retribuir a gentileza do bolo. Ela fez isso aqui para você.

O rapaz pegou o pacote e encarou o vizinho, que apenas sorria educadamente. Ele abriu e viu o tecido escuro.

— O que é isso? – ele desembrulhou e pegou a peça de roupa nas mãos. Era uma jaqueta de couro simples, num tom de marrom escuro, costurado aqui e ali. — Isso é couro?

— Sim, a Helena tinha alguns pedaços guardados de quando morávamos na outra casa. É sua forma de agradecer pelo doce.

— Nossa, mas não precisava! É muito gentil!

— Não por isso – falou o homem antes de partir.

Do lado de dentro, Marcos passou a mão pelo tecido duro. Era bem gentil da moça de fazer aquilo, mas dúvidas pipocavam na mente do rapaz. Como ela fez isso? Se está tão doente que não sai de casa, como tem forças para costurar no couro?

Mas aquela foi a única interação que tiveram. Ele tentou visitar para agradecer Helena, mas ela nunca atendia. E as dúvidas só cresciam dentro dele.

César tampouco fornecia respostas; o rapaz tentara puxar conversa com o homem um dia no bar local e foi completamente ignorado e pior, quando insistiu, foi grosseiramente alertado para deixar Helena em paz. Algo ali estava muito errado, não era possível que a mulher não pudesse nem mesmo sair para dar uma volta no parque.

Faltando dois dias para o Halloween, Marcos bateu novamente na casa do casal e, como já havia se tornado seu hábito, olhou pela janela do quarto, encontrando a costumeira figura da mulher parada lá e o olhando com seus olhos negros e opacos. Ela usava uma blusa de gola alta, mesmo no clima mais quente que fazia.

— Quantas vezes precisamos dizer que não queremos ser incomodados para você finalmente se tocar?

— Olha dona, não é da minha conta, mas acho que a senhora não está aí por vontade própria.

— Você não me conhece para dizer isso.

— Percebo o suficiente para desconfiar de cárcere privado.

— Agora vai acusar o meu marido pelo fato de eu estar tão doente que preciso ficar aqui dentro?

— Ele nem mesmo te leva para ir ao médico, Helena!

Ela pareceu ponderar por um tempo antes de responder.

— Olhe Marcos, pare de se intrometer. Já diz o ditado, a curiosidade matou o gato.

— César já falou isso para mim quando nos conhecemos.

— Então acho melhor começar a escutar, porque é um ótimo conselho.

— Se fosse somente doença mesmo ele já teria te convidado para pelo menos tomar um chá.

— Será que não passou pela sua cabeça que não queremos sua companhia? – disse ela enfim, fazendo-o arregalar os olhos de surpresa.

— Paro quando ver você e seu marido na comemoração de dia das bruxas – desafiou ele. – A cidade comemora o feriado com uma feira de rua. É um ótimo lugar para conhecer a população e, pelo menos, eles saberem que vocês existem. Eu ajudo a organizar o evento, e espero vocês lá – declarou Marcos e marchou para longe antes que Helena pudesse responder.

Ele tinha certeza de que havia algo errado ali. Se eles não aparecessem então seria a confirmação de que precisava. Helena era réfem do marido. Se é que é marido dela mesmo.

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