Juventude

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A janela está aberta e o sol quente do meio da tarde me incomoda. A banda marcha na rua principal.
Os dias mudam e eu continuo aqui.
Remédios, exames, dores e lembranças.
Não recebi visitas hoje, o mundo esqueceu de mim.
Vejo a banda pela janela aberta.
Meu corpo fraco treme com raiva. A música da banda invade o quarto, mais perto e mais perto, como uma pessoa indesejável que ignora meus desejos.
Me levanto, preciso fechar a janela e afastar esse ritmo terrível.
Minhas pernas fraquejam, me traem e me jogam no chão.
O som da queda se misturou ao barulho terrível da banda marchando lá fora. Abafando  meu desespero.
Uma enfermeira que passava no corredor me encontrou no chão. Patético, inútil.
Aqui eu desejei estar em outro lugar, segurando  a mão de outra pessoa.
Voltei para a cama e me lembrei dos dias em que eu ainda tinha dignidade.
Os tambores estão zumbindo.
Quando eu tinha vinte e poucos anos eu tive um amor. Ele tocava baixo em uma banda, o meu instrumento preferido.
O escárnio, a culpa e os olhares julgosos. Todos valiam a pena para ter sua voz grave cochichando ao meu ouvido.
Agora só escuto a banda passar. Impassível, sem escolha.

Bem Vindo Ao Desfile NegroOnde histórias criam vida. Descubra agora