Bolívia, 15 de Dezembro de 1980

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Pelas grandiosas janelas de uma casa simples no norte da Bolívia, gritos de dor e agonia eram emitidos por uma pobre e jovem mãe em trabalho de parto. A mãe suava excessivamente, enquanto estava deitada no leito de sua cama, tanto pelas fortes dores quanto pelo intenso calor que fazia. O padre Ramírez era o parteiro responsável, o único padre naquela pequena cidade com aptidão para tal. Ele era novo na cidade, pouco se sabia sobre sua vida. Os cidadãos apenas sabiam que ele viera da capital para substituir um antigo clérigo que morrera de forma misteriosa em um dia enevoado, provavelmente por ter pegado alguma doença repentinamente. O padre era a única pessoa que realizaria o parto, não havia nenhuma enfermeira para auxiliá-lo.

O padre olhou para a mãe e pediu para que ela fizesse força. Ao seu lado estava o pai da criança, o senhor Martínez. Ele segurava as mãos da esposa com muita força e sua mulher berrava de dor toda vez que tentava fazer seu filho sair do seu ventre. O padre notou que a cabeça da criança estava quase saindo, então pediu para que ela não desistisse. A mãe tentou mais uma vez, dessa vez com êxito. A cabeça do bebê saíra por entre as suas pernas e o padre a segurou, puxando o frágil corpo e o enrolando em uma toalha. Sua expressão foi de total assombro, pois o bebê adquirira uma tonalidade incomum em seu rosto: estava arroxeado e o seu corpo, depois de limpo, começara a adquirir a mesma cor. Ele não chorara e isso, com toda certeza, não era um bom sinal. O bebê não estava respirando, não havia nenhum sinal vital em seu pequeno corpo. Para a surpresa de todos, a mãe da criança natimorta perdera a consciência e seus olhos permaneceram abertos. O padre constatou que a mulher não havia resistido, assim como o seu bebê.

O pai da criança, percebendo a reação do padre, ficou preocupado com a situação de sua mulher e do seu filho. Ele ainda segurava a mão gélida da mulher falecida e questionou para o padre:

— Padre, eles ficarão bem? Meu filho está com saúde, senhor?

— Não sei como lhe contar, senhor... — O padre respondeu hesitante. —  Seu filho e sua mulher não resistiram.

— Não! Você os matou! Quero minha mulher de volta, traga-a de volta! Chame um médico imediatamente.

— Senhor, sua mulher não tem mais chances de voltar a viver! Ela está morta, não podemos fazer mais nada. Seu filho nasceu morto! A sua cabeça já estava roxa quando sua mulher o pariu. Ele não resistiu ao parto, senhor.

— Eu quero minha família, seu desgraçado! Você tirou de mim as únicas coisas que eu tinha na vida. Devolva a minha família! —  O senhor Martínez disse para o padre. Ele estava descontrolado de tanto ódio. Seu corpo tremia e sua voz era muito elevada e ríspida.

— Senhor Martínez, por favor, acalme-se. Eu acho melhor ir embora. O senhor não acha melhor? Deixarei o senhor se despedir de sua família em paz.

— Eu não teria que me despedir deles se você não os tivesse matado! — berrou. — Saia agora da minha casa. — O padre se virou para sair e não notou que o dono da casa havia encontrado o seu machado, utilizado por ele em seu trabalho de lenhador. — Padre, esqueci de lhe dizer uma coisa... — Assim que o padre Ramírez se virou, o senhor Martínez acertou o objeto em seu pescoço, decapitando sua cabeça. Bastou-lhe apenas uma machadada para sua cabeça desgrudar-se de seu corpo e sair rolando pelo chão, respingando sangue por todos os cantos do recinto.

Ele nem pudera se defender ou se esquivar. Ele morreu ali mesmo, por conta de um ódio perverso, fruto de algo que ele não era o culpado.

                                                                  ***

Uma lenda da antiga Igreja Católica diz que, na época antes do surgimento de Constantinopla, quando um padre é morto sem motivos reais, ele voltava para levar as almas impuras para o inferno.

A morte é apenas o começoOnde histórias criam vida. Descubra agora