1. Unicórnio versus fênix

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Quente.

Se me perguntassem, diria que estava nadando dentro da lava de um vulcão.

Mas ninguém podia me perguntar, já que eu estava dentro do meu próprio sonho. Então, se por acaso surgisse alguém nele e me perguntasse isso, seria meu subconsciente falando comigo. E isso não conta.

A sensação do calor agonizante passou, e, pela primeira vez, abri meus olhos no sonho. O que antes era apenas escuridão transformou–se em uma paisagem verdejante, um morro. No solo, havia declives e aclives, muitos relevos, e, no mais alto deles, uma árvore. Decidi ir até lá. Um tipo de decisão que você toma sempre em seus sonhos: sem motivos. Afinal, é um sonho e, por mais que você saiba que está sonhando, por algum motivo ainda acredita que o que está acontecendo lá é real.

Uma gramínea puramente verde ocupava o local inteiro e cutucava meus pés descalços durante meu caminho até lá. A sensação me parecia a mais verdadeira possível. Usava um vestido longo de algodão, que me atrapalhava na subida por causa do vento, e meu cabelo, para variar, entrava nos meus olhos e na minha boca, mas não me importava com isso que nem o fazia no dia a dia.

Eu tinha uma preocupação, uma agonia, que eu não sabia de onde vinha ou qual resposta a faria sumir. Entretanto, lá estava ela, cutucando–me assim como a grama fazia com a sola do meu pé, e parecendo tão real quanto as cócegas que sentia nele.

Cheguei ao topo do morro e o que vi foi Helementtarë. Sabia onde estava, afinal. Estava no meu reino, no local onde nasci. Não havia, então, por que me preocupar. Mesmo assim, a sensação horrível não desaparecia. Era como aquela sensação de estar caindo dentro de um sonho, que nunca cessa até você abrir seus olhos no mundo real.

Se eu pudesse descer o morro e ir para o Reino, talvez, só talvez, isso passasse. Porém, quando tomei essa decisão, não conseguia mais me mover. Era como se a grama finalmente tivesse se cansado de incomodar meus calcanhares e decidido me colar àquele lugar. Olhei em volta. Além da paisagem de Helementtarë abaixo do morro, só havia mesmo a árvore. Quando cheguei mais perto, notei um arbusto com lírios amarelos, grandes e cheios. Além do azul do céu, sem nuvens, e o verde da vegetação, aquela era a única cor que ressaltava ao redor. Podia sentir o cheiro deles.

Então, um barulho de asas chamou minha atenção, e notei que havia um pássaro na árvore. Não um passarinho, mas uma ave enorme, parecida com um pavão, porém muito, muito mais bela e poderosa. Ela olhava para o Reino assim como eu havia feito, e talvez ainda não tivesse me notado como eu não a havia notado também. Uma ave tão robusta e de cor vermelho–sangue não podia passar despercebida desse jeito.

"Ela não devia estar lá quando cheguei".

E uma voz me respondeu: "Mas estava".

Não procurei de onde o som vinha, porque eu sabia que não encontraria ninguém. Também não me preocupei se estava louca por estar ouvindo vozes, afinal, aquilo era somente meu subconsciente trabalhando enquanto dormia.

Então, a ave me olhou. Seus olhos estavam em chamas e se mexiam mais que as folhas da árvore balançadas pelo vento. Agora, sentia que ela não só me olhava, mas parecia esquadrinhar cada canto dos meus pensamentos como se avaliasse minha alma.

De repente, tive uma sensação de que aquela voz poderia ter vindo dela, e essa revelação foi como um gatilho para a ave, fazendo–a entrar em combustão. Literalmente. Chamas altas e coloridas provinham dela e espalhavam–se pela árvore. As labaredas estavam consumindo o pássaro, os galhos, as folhas e o tronco, mas permaneciam ali, não iam para as gramíneas ao redor, nem para os lírios amarelos que ficavam exatamente abaixo dela.

Elemental - Em busca das origensOnde histórias criam vida. Descubra agora