Cαρíτυℓσ Um

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Enquanto estou aqui sentado, com um pé em cada lado do parapeito, observando as ruas de Seul a doze andares abaixo, pensar em suicídio é inevitável.

Não no meu caso. Gosto o suficiente da minha vida para querer vivê-la.
Estou pensando em outras pessoas e em como decidem simplesmente acabar com a própria vida. Será que elas se arrependem em algum momento? No instante depois de se jogar, e no segundo antes do impacto deve haver algum remorso durante aquela breve queda livre. Será que veem o chão se aproximando depressa e pensam: Ah, que droga, que ideia péssima!
Por algum motivo, acho que não.
Penso muito na morte. Ainda mais hoje, considerando que acabei de - doze horas antes - fazer um dos discursos fúnebres mais épicos que o povo de Busan já testemunhou. Tudo bem, talvez não tenha sido o mais épico, mas poderia muito bem ser o mais desastroso. Acho que depende se a pergunta for feita para mim ou para minha mãe.
Minha mãe, que provavelmente vai passar um ano inteiro sem falar comigo depois de hoje.
Não me entenda mal: Meu discurso fúnebre não foi tão marcante a ponto de entrar para a história, como o de Brooke Shields no funeral de Michael Jackson. Ou o da irmã de Steve Jobs.
Mas foi épico à própria maneira.
No início, fiquei nervoso. Afinal, era o funeral do extraordinário Park Eunho. Prefeito idolatrado de minha cidade natal: Busan, na Coréia. Dono da agência imobiliária de maior sucesso da cidade. Marido da idolatrada Lee Haerin, a mais reverenciada professora auxiliar de toda Busan. E pai de Park Jimin, aquele garoto estranho, de excêntrico cabelo loiro, que certa vez se apaixonou por um mendigo e envergonhou toda a família.
Eu sou Park Jimin, e Eunho era meu pai.
Assim que terminei o discurso fúnebre, peguei um vôo para Seul e sequestrei o primeiro telhado que encontrei. Mais uma vez, não porque sou suicida. Não tenho nenhum plano de saltar deste telhado. Só precisava de ar fresco e silêncio, nada mais. Algo impossível de se conseguir em meu apartamento no terceiro andar, sem acesso ao telhado, e morando com uma garota que adora se ouvir cantando.
Porém, não pensei em como estaria frio aqui em cima. Não está insuportável, mas também não está nada confortável. Pelo menos dá para ver as estrelas. Pais falecidos, irritantes colegas de apartamento e discursos fúnebres questionáveis não parecem nada mal quando o céu noturno está límpido o suficiente para, literalmente, espelhar o esplendor do universo.
Amo quando o céu me faz sentir insignificante.
Estou gostando desta noite.
Bem... vou reformular a frase para que ela reflita meus sentimentos de maneira mais apropriada, no passado.
Eu estava gostando desta noite.
Mas, para minha infelicidade, a porta foi aberta com tanta força que quase esperei ver a escada cuspir um humano no telhado. A porta se fecha novamente, e passos se movem com pressa pelo piso. Não me dou o trabalho de erguer o olhar. Seja quem for, é muito provável que nem me perceba em cima do parapeito à esquerda da porta. A pessoa saiu com tanta pressa que não será culpa minha se presumir que está sozinha.
Suspiro baixinho, fecho os olhos e encosto a cabeça na parede de estuque atrás de mim, xingando o universo por ter me tirado o momento introspectivo de paz. O mínimo que o universo pode fazer é garantir que seja uma mulher, não um homem. Se vou ter companhia, prefiro uma mulher.
Sou durão para meu tamanho, e provavelmente consigo me virar sozinho na maior parte das situações, mas estou relaxado demais para ficar sozinho com um desconhecido no telhado, tarde da noite. Temo pela minha segurança e sinto que preciso ir embora, mas não queria ir. Como disse... estou relaxado.

Finalmente permito que meus olhos percorram o trajeto até a silhueta inclinada por cima do parapeito. Infelizmente, tenho certeza de que é um homem. Mesmo naquela posição, noto que é alto. Ombros largos criam grande contraste em relação à maneira frágil como ele apoia a própria cabeça nas mãos. Mal percebo o pesado subir e descer de suas costas enquanto ele inspira fundo, para exalar com força em seguida.
Parece à beira de um colapso. Considero dizer alguma coisa, ou pigarrear, para alertá-lo de que tem companhia, mas, antes que eu o faça, ele gira e chuta uma das cadeiras do terraço.
Eu me retraio quando o móvel arranha o telhado, mas, como ele não imagina ter platéia, não para com um só chute. Ele atinge a cadeira repetidamente, sem parar. E, em vez de se render sob a força bruta daquele pé, a cadeira apenas se afasta cada vez mais.
Aquela cadeira deve ser feita de polímero resistente à maresia.
Certa vez, vi meu pai atropelar uma mesa de jardim feita desse polímero: a coisa praticamente riu. O para-choque amassou, mas a mesa nem arranhou.

Cαsυαℓ [ᴊɪᴋᴏᴏᴋ]Onde histórias criam vida. Descubra agora