Cαρíτυℓσ Dois

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Jeongyeon - minha colega de apartamento que adora se ouvir cantando - corre pela sala, pegando chaves, sapatos, óculos escuros. Estou sentado no sofá, abrindo caixas de sapato repletas de coisas antigas que eu trouxe de casa. Peguei tudo essa semana, quando voltei para o funeral de meu pai.

- Vai trabalhar hoje? - pergunta Jeong.

- Não. Estou de licença até segunda... luto.

Ela para bruscamente. - Até segunda? - zomba ela. - Seu idiota sortudo.

- Sim, Jeongyeon. Foi a maior sorte meu pai morrer - ironizo, claro, mas me contraio ao perceber que na verdade não pareci tão sarcástico assim.

- Você entendeu o que eu quis dizer - murmura ela, pegando a bolsa enquanto se equilibra em um pé e coloca o sapato no outro. - Não vou dormir em casa hoje. Vou ficar com a Chae.

Ela bate a porta ao sair.
Aparentemente, temos muito em comum; mas, além do parecido manequim, da mesma idade e de nomes com letras começadas por J e terminados por N, somos apenas duas pessoas dividindo um apartamento. Por mim tudo bem. Além da cantoria incessante, ela é bem tolerável. É limpa e passa muito tempo fora. Duas das qualidades mais importantes para uma pessoa que mora com você.

Estou destampando uma das caixas quando meu celular toca. Estendo o braço até o canto e o pego.
Quando vejo que é minha mãe, afundo o rosto no sofá e finjo chorar na almofada.

Levo o celular até o ouvido. - Alô?

São três segundos de silêncio, depois:

- Oi, Jimin.

Suspiro e me sento de novo. - Oi, mãe.

Estou realmente surpreso por ela falar comigo. Só se passou um dia desde o funeral. Eu esperava ter notícias só daqui a 364 dias.

- Como você está? - pergunto.

Ela suspira dramaticamente. - Estou bem - responde. - Sua tia e seu tio voltaram para Incheon hoje de manhã. Vai ser minha primeira noite sozinha desde que...

- Você vai ficar bem, mãe - garanto, tentando passar confiança.

Ela fica em silêncio por tempo demais, depois diz:

- Jimin. Só queria que você soubesse... não precisa sentir vergonha por ontem.

Fico quieto. Eu não estava com vergonha. Nem um pouco.

- Todo mundo congela de vez em quando. Eu não devia tê-lo pressionado daquele jeito, ainda mais em um dia tão difícil. Devia ter pedido para seu tio fazer o discurso.

Fecho os olhos. Lá vai ela de novo. Encobrindo o que não quer ver. Assumindo uma culpa que nem é sua. Ela se convenceu, claro, de que fiquei paralisado ontem, e por isso me recusei a falar. É óbvio.
Penso seriamente em confessar que não foi um erro. Não congelei. Simplesmente não tinha nada de bom a dizer sobre o homem medíocre que ela escolheu para ser meu pai.

Mas em parte me sinto culpado pelo que fiz - especialmente porque minha mãe não devia ter testemunhado aquilo -, então acabo aceitando sua deixa e entro no jogo.

- Obrigado, mãe. Me desculpe por ter paralisado.

- Tudo bem, Min. Preciso ir, irei à seguradora. Amanhã teremos a reunião sobre as apólices de seu pai. Me ligue, ok?

- Ligo, sim - respondo. - Te amo, mãe.

Encerro a ligação e jogo o celular do outro lado do sofá. Abro a caixa de sapatos no colo e retiro o conteúdo. Bem no topo, há um coraçãozinho oco de madeira. Passo os dedos por ele e me lembro da noite em que o ganhei. Assim que começo a assimilar a lembrança, afasto o objeto. A nostalgia é uma coisa curiosa.
Separo algumas cartas antigas e recortes de jornal. Embaixo de tudo, encontro o que eu sabia estar nessas caixas. E, ao mesmo tempo, esperava que não estivesse.

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⏰ Última atualização: Jun 10, 2020 ⏰

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