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Uma vez eu estava sentada em um dos muitos banquinhos que ficam espalhados pela faculdade. As pessoas passavam apressadas, carregando livros e sacolas nas mãos, abrindo a carteira com milhares de moedas do troco do salgado caro da cantina. Deixavam suas mochilas balançarem nos ombros enquanto corriam para o alcançar o ônibus que ameaçava partir.

Pessoas que ouviam música nos fones de ouvido, algumas conversando com os colegas em um banco próximo, outros desenhavam e liam livros de biologia. Outras passavam mais apressadas me lançando um sorriso de cumprimento enquanto eu quase mal me movia de volta para retribuir o 'olá' apressado.

Eu somente ficava ali, observando. E por tanto fazer isto, percebi que eu não conhecia a maioria das pessoas.

Uma dessas pessoas desconhecidas foi a que sentou ao meu lado alguns segundos depois. Permaneci com meus olhos vidrados da pista de rolamento de carros à minha frente. Mas, apesar de olhar, eu não via nada. Era como observar o vazio.

Passos, telefones tocando, toques de Whatsapp, embalagens de biscoito sendo abertos, pés inquietos balançando e tocando o chão. Mesmo com todos esses barulhos aleatórios, eu conseguia escutar a respiração do menino sentado ao meu lado.

E, mesmo olhando para frente, eu sabia que ele também encarava o mesmo vazio que eu. Eu podia sentir.

—Porque está triste? Dia difícil?

Eu poderia ter me assustado, por estar despreparada para ouvir uma voz tão calma em meio a tanta agitação. Poderia ter ficado furiosa por alguém se intrometer na minha vida, nos meus pensamentos e na minha expressão visual - que eu nem sabia o quão nítida poderia estar, a ponto de revelar meus sentimentos. Eu poderia ter ignorado suas perguntas. Mas não o fiz.

—Mundo difícil, cidade difícil, vida difícil.

—Eu entendo— ele falou baixo, suspirando.

Eu não tinha mais nada a falar e ele parecia também sentir-se dessa forma. Sua mochila repousou ao lado do banco e, com minha visão periférica, vi que tinha trago a perna esquerda para cima do banco, puxando o joelho pra cima e apoiando seu braço nele. Pensei que a curta conversa de elevador tivesse acabado, mas, novamente, me enganei.

—O que você gosta de fazer?— ele continuou.

A voz dele era engraçada, também, além de calma. Mas eu não disse isso.

—Várias coisas— respondi, apesar de estranhar um pouco o rumo do diálogo.

—Me dê um exemplo—ele continuava falando.

Infinitos filmes se passaram em meus olhos, infinitos momentos. E falando devagar comecei a listar:

—Gosto de andar descalça; de respirar fundo. Gosto de mexer os braços como uma bailarina solitária na cozinha; gosto de fechar os olhos e deitar no chão junto dos meus cachorros. Gosto de ver pessoas dançando engraçado. Gosto de limpar as lentes dos meus óculos. Gosto de pisar na grama e senti-la no meio dos meus dedos; colocar uma música que nunca ouvi, fechar os olhos e sentir a melodia. Gosto de andar na multidão e ver as pessoas conversando e sorrindo; pegar trechos de conversas e opinar sobre elas em minha mente. Gosto de fogos de artifício em dias comemorativos. Gosto de deitar na cama e coçar meus braços bem devagar. Gosto de pisar em pedrinhas. Gosto de ler cartas. Gosto de enrolar fios do meu cabelo várias vezes. Gosto de coçar os olhos. Gosto de pular na cama elástica e de plantar bananeira na piscina. Eu gosto de sentir o sol da manhã e dos fins de tarde nas minhas costas e na minha bochecha. Gosto de descer em escorredores infantis. Gosto de observar aviões passeando no céu e me perguntar se as pessoas dentro dele estão dormindo ou se tem alguma lá que consegue me ver, nem que seja como uma formiga minúscula. Eu gosto de abraçar desconhecidos e poder fechar os olhos, sentindo lágrimas caindo.

Cabeças moveram-se juntas, na mesma direção, para que nossos olhos se encontrassem pela primeira vez em todos aqueles longos minutos em que eu pareci estar esvaziando toda minha alma e aliviando um peso de meus ombros. Seus olhos eram caramelo, faltando pouco para atingir um tom escuro de verde. Mas eram profundos como um mar. Não um mar esgoto. Um mar de águas cristalinas em que eu, no momento, me sentia livre e à vontade para aprofundar e mergulhar.

Seus braços cobertos por um moletom azul marinho, que aparentava ser muito quentinho e aconchegante, abriram-se em minha direção. Eu fiquei encarando, dessa vez não vendo mais um 'vazio', mas sim uma espécie de cobertor ambulante em que eu poderia me esquentar. Esquentar meu coração. Alguém solidário para com uma pobre pessoa como eu. Mas não tinha certeza se era mesmo essa oportunidade que ele estava me dando.

E eu gosto de fazer pessoas felizes. Se quiser, é só olhar pro lado que estou aqui— sua sobrancelha direita elevou-se e seus braços abriram-se mais um pouco, aproximando-se minimamente de mim.

E eu me arrastei pelo banquinho de madeira para dentro de seus braços, que se fecharam imediatamente em minhas costas, apoiando seu queixo em minha cabeça. Meus olhos fecharam, sentindo lágrimas caindo, abraçando um desconhecido. Aquilo ao mesmo tempo que parecia insano, parecia a coisa mais certa que já fiz em toda minha vida.

Seus dedos dedilhavam suavemente meu cabelo e notei que ele enrolava minhas pontas em vários movimentos espirais. O sol começava a se pôr entre o céu cinza, batendo em minhas costas e em seu rosto expressivo: mandíbulas definidas, pintas no pescoço, perfume gostoso, braços confortáveis e acolhedores. E com a boca perto do meu ouvido, sussurrou.

—Amanhã você venha com uma roupa velha para podermos deitar no chão e andar descalços, pisando em pedrinhas.



✿●✿

 olá, sou Caroline e em um momento de surto criativo e tocante, ouvindo 'Supercombo', escrevi esse conto me inspirando nas letras das músicas. tenho uma grande afeição por ele e sinto que foi realmente do fundo da minha alma 

e resolvi deixar aqui caso alguém o encontre. por hoje é só :)

dia difícilWhere stories live. Discover now