Arrependimento

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Tinha chegado o da festa e eu em vez de ir, tinha ficado em casa, pois estava naqueles dias do mês e a forte mistura de hormonas dentro do meu corpo tinha-me ajudado a ver com claridade que o que eu estava a fazer estava a ser um sem sentido.

Como podia eu estar a aceitar isto? Agora punha-me a fazer planos para ficar na casa de um amigo meu, que se calhar até estava a começar a suspeitar que ele gostasse de mim? Iria estar com minha amiga, pela qual eu tinha tido um ligeiro crush anos atrás, e com as suas outras amigas ucranianas a falar de rapazes e Yaoi? Aguentaria fingir que realmente me interesso por toda aquela conversa feminina?

Não, o que estava a fazer estava mal. Eu estava a aceitar que já não era um rapaz, isso não podia ser. Imagina por um momento que até existia uma cura para o que me estava a acontecer e que por causa de estar a aceitar isto, eu fosse ficar rapariga para sempre.

Não podia ser, eu tive uma crise de ansiedade, tive os nervos um horror, e em vez de ir com eles à festa, como já disse, fiquei em casa a chorar.

Antes, quando era um rapaz, eu praticamente não chorava. Agora era muito mais sensível, e como já disse, estava num daqueles dias o que não ajudava nada.

Pela minha mente passava a imagem do Pedro e da Liliana junto dos nosso gang, das duas gémeas; e eu ali, sozinho e a deprimir.

Foi então que recebi a mensagem que poderia vir a animar-me. Era uma mensagem curta, de WhatsApp, da Li, que dizia assim: "A festa está um máximo, o Just Dance está a bombar com as melhores Vocaloids. Mas sinto falta da minha melhor amiga =(".

Eu devo ter relido essas palavras durante uns 10 minutos, a pensar em ter sido traído e que não voltaria a falar com nenhum deles. Depois de tão sombrios pensamentos, percebi que aquela mensagem tinha sido escrita por uma amiga preocupada e por isso, pedi-lhe para vir. Lá estava ela, 15 minutos mais tarde à porta da minha casa, na conversa com a minha irmã Sara, a qual ainda não tinha visto que a Liliana tinha pintado o cabelo de Roxo e não parava de dizer quão gira tinha ficado. Eu ouvi o som da sua harmoniosa e burlesca voz e fui até à porta para logo puxa-la para o meu quarto. Começamos assim a falar, eu com os sentimentos à superfície.

-Sinto não ter ido ter convosco, eu... Eu queria mesmo muito ir. Mas tenho andado preocupado-ada... Preocupada com um assunto...

-Eu sei que é duro, mas duvido que a vossa amizade vá acabar. Eventualmente, isto passa e volta tudo ao normal

Fiquei abalado, essas palavras bateram-me como um chapadão. Ela parecia estar a falar do que eu começava a suspeitar e que não queria acreditar

-Estas a falar do quê, agora?

-Já sabes. Isto do Pedro ter ganho um fraquinho por ti, desde que voltámos das férias.- E os meus temores confirmaram-se.

-Mas tens certeza disso?

-Eu conheço como ele é e também sei como és tu, Leonor, e percebo que não tivesses entendido.- Ignorei o facto de ela ter acabado de meter-se com as minhas capacidades deductoras.

-Mas... O Pedro não pode gostar de mim, somos os melhores amigos, não é suposto ele gostar de mim.

-Tens de reconhecer que provocas esse efeito em muita gente, não é culpa dele- Defendeu ela.

-Quem mais gosta de mim?- Perguntei eu, provocando que ela corasse.

-Não deveria dizer este tipo de coisa quem for tem direito a manter anonimato.

-Sim, ok.-comentei depois, distraído-Na mesma, eu já tenho-me interessado por outra pessoa.

Foi neste ponto que a conversa estava a virar por onde eu não queria, se ela perguntasse quem era o afortunado, eu iria-me sentir obrigado a contar-lhe que não era um afortunado, senão uma afortunada... Efectivamente, agora tinha-me começado a interessar por ela. Isto era resultado da festa de Halloween: ela tinha-me pintado, tinha-me tocado; depois, na casa do Pedro, ela tinha-me despido e lavado e essas coisas todas tinham-me feito olhar para ela de outro modo. Mas era certo que o Pedro também olhava para mim de outro modo, mas isso já desde o começo do ano.

-Posso só perguntar quem é o giraço que roubou o coração da minha boneca?- Indagou ela.

Olhei bem fundo nos seus olhos verdes e ela chegou-se mais a mim.

-Conta- Insistiu, porém com o humor ligeiramente mais decaído.

-Não deveria... É que não é um ele, é uma ela- Acabei por confessar, quase a ver-lhe a alma do perto que estávamos as duas.

Foi nesse momento, e com o que ela fez asseguir, que veio-me à cabeça que ela era muito mais próxima comigo desde que era uma miúda como ela, também que ela nunca tinha tido nenhum interesse especial por rapazes e que dentro do nosso grupo brincava muito a meter-se com as outras raparigas.

-Não é um ele, é uma ela- Repetiu a Liliana, quase petrificada e muito do nada ela chegou-se à minha face e num terno roce os nossos lábios rosados encontaram-se num doce beijo que me aquecera o sangue.

O beijo fora curto e suave e ao separar-nos eu até perdi a capacidade da fala, não estava à espera disso e não soube como reagir. Sentia-me completamente passivo no que estava a acontecer e ela era quem geria a situação ativamente.

Sentadas as duas na cama, somos surpreendidas pela inoportuna da Sara, que entrara para perguntar se queríamos alguma coisa para comer.

-Obrigadissima, Sara, mas eu tenho que ir já.- E com essas palavras, ela partiu, deixando-me naquele estado de shock tão profundo.

Durante os dias que se seguiram, ela não respondeu a uma única mensagem minha, estávamos de férias e também não nos encontrávamos já pela escola. Tive de esperar para poder ter uma séria conversa com ela.

Parecia um SonhoWhere stories live. Discover now