Era um dia de chuva. De chuva intensa que enchia as ruas do Porto, fazendo com que as rodas dos automóveis molhassem tudo por onde passassem. Ás cinco da tarde, as ruas pouco movimentadas passaram a estar entupidas de pessoas apressadas, umas com guarda-chuva, outras encharcadas até as pontas do cabelo. O cheiro a queimado e as luzes da contínua via faziam-me lembrar o natal. O natal sempre foi a minha época do ano favorita. Nem é pelo facto de receber presentes, mas sim pelo espirito natalício que as pessoas têm, como se o cheiro a queimado, a chuva e os cabos de luzes que as pessoas penduram nas varandas, criassem um mundo completamente diferente. Antes de passar pelo portão da escola pus o meu carapuço na cabeça e fechei o casaco bem fechadinho para não me molhar tanto, começando o meu curto caminho até casa. Quando entrei em casa senti logo uma mudança de temperatura. A lareira estava ligada o que me fez andar de imediato ao seu encontro aquecendo o meu corpo frio e mole. Estava-se bem melhor no quentinho da lareira do que no temporal que se formava. Entretanto, subi as escadas que me levavam ao meu quarto ouvindo a voz da minha irmã mais velha. Encostei-me no aro da porta do meu quarto deparando-me com dois rapazes completamente molhados sentados na minha cama e a minha irmã em frente da minha cômoda a falar de qualquer coisa que não entendi bem pois só tinha chegado agora.
- Precisam de ajuda?
Imediatamente olharam para mim com cara de assustados principalmente a minha irmã, mas logo que me viu, sorriu e disse:
- Hoje não é sexta?
- Sim é, porque?
- Não tens aulas até às seis?
- A minha stora faltou senão eu não estava aqui croma.
Eu já tinha visto aqueles rapazes lá na minha escola, principalmente um dito chamado Daniel que estava muito diferente devido à molha que tinha apanhado. Eles estavam constantemente a olhar para o aro da porta onde eu ainda continuava apoiada e para a minha irmã no outro canto do quarto. Realmente o meu quarto estava bem desarrumado, cama por fazer, roupa espalhada pelo chão, mas havia um canto completamente arrumado onde repousava a minha guitarra. Comecei a encarar os rapazes à espera que a Joana me explicasse o porquê de eles estarem ali e ela percebendo do que se tratava disse:
- Viste o tempo lá fora? Está horrível.
-Caso não tenhas reparado eu vim a pé.
-Sim eu sei, mas eles estão encharcados e tu és a única que tem roupa mais larga. Será que lhes poderias emprestar?
- Que pergunta mais estupida, claro.
Enquanto estava a dirigir-me para minha cama para pousar a minha mochila que só agora me fazia uma grande dor de costas devido ao peso, apareceram duas raparigas atras de mim a rirem-se. Uma delas era Maria a amiga da Joana que ultimamente costumava andar com ela.
- Olá Matilde .- cumprimentou Maria dando-me um sorriso.
-Olá - respondi também sorrindo.
A minha irmã apontando para cada um apresentou-os:
-Aquela é a Rita, o Jaime e o Daniel.
- Acho que toda a gente já percebeu que me chamo Matilde portanto nem vale a pena estar a repetir.
- Mas acabaste de repetir- providenciou o tal Daniel mostrando um sorriso de lado.
Rime pelo nariz e exclamei: - Acho que o Daniel quer continuar vestido de roupa molhada.
- Talvez..
Enquanto eu olhava para o relógio no meu pulso e via que tinha apenas vinte minutos até a Aurora chegar para irmos para a aula de musica que começava as seis a Maria disse que ia para o quarto da Joana com a Rita e a minha irmã seguiu-as.
- Bom, não tenho tempo portanto, qual de vocês é o mais magro?- perguntei encarando-os.
-Sou eu - declarou Jaime.
Peguei em duas camisolas polares quentes, uma maior do que a outra, dois pares de calças de fato de treino e em meias quentes grossas.
-Chega?- perguntei
Daniel -Também me podias dar um casaco.
-Já me estas a dar muito trabalho.
- Estava a brincar- afirmou rindo-se pelo nariz.
- Vou sair do quarto para trocarem de roupa.
Jaime- Obrigado.
fechei a porta encostando-me nela para deslizar até ao chão, para me sentar. O dia estava a ser muito estranho e como não tinha nada para fazer decidi falar:
Eu- Desculpem lá a desarrumação. É que eu não sou muito organizada.
Jaime- Não és a única.
Eu- Porque? O teu quarto também está desarrumado?
Jaime- Ai se não está, está bem pior que o teu.
Eu- Que bom, já não me sinto tao mal.
Daniel- Então gostas destas bandas todas?
Eu- ah? Que bandas?
Daniel- As dos posters que tens colados na parede.
Realmente haviam imensos posters na minha parede. Era uma coisa que eu queria desde criança, ter os posters das minhas bandas favoritas colados pelas paredes do meu quarto.
Eu- Claro que gosto, se nao gostasse nao estavam ai colados. -Quando acabo de dizer isto alguém abre a porta do quarto e eu caiu de costas.
Daniel- Tens bom gosto.
Jaime- Desculpa desculpa, não sabia que estavas a beira da porta.
Daniel- O que é que aconteceu?- Daniel não tinha visto porque estava de costas.
levantando-me sussurrei: - O Jaime caiu.
- Quem caiu foste tu.- interviu Jaime com uma cara de admirado para mim.
- Não tenho tempo para isto, deixa passar.- disse rindo-me, desviando Jaime que estava a minha frente. Peguei na minha guitarra e quando estava prestes a sair do quarto lembrei-me que a Maria tinha dito que Daniel está sempre a pôr o seu cabelo direito.
-Queres um secador?- perguntei virando-me para trás.
Daniel- Ah? Não é preciso.
-Tens a certeza? Ouvi dizer que gostas muito de compor o cabelo.
- Isso é mentira.- assegurou Daniel começando a corar.
- Anda lá a casa de banho que eu dou-te um secador.
- Já disse que não é preciso.
- Cala-te e anda, agora. Estás em minha casa, eu é que mando.
Jaime- É melhor ires, ela ainda te expulsa.
Eu- Vá despacha-te.
Daniel começou a seguir-me até à casa de banho onde eu tirei da gaveta o secador do cabelo e dei-lho para a mão.
-Obrigado- Daniel falou sorrindo de lado.
- De nada.
liguei-lhe o secador á ficha que começou a fazer o costume barulho.
- Então tocas guitarra é?- Gritou Daniel devido ao barulho mexendo constantemente no cabelo para o endireitar.
- Porque é que perguntas? E sim eu toco.
Daniel- por nada- proclamou dando de ombros desligando o secador.- Eu também toco guitarra.
O meu telemóvel começou a tocar. Era Aurora a ligar.
Eu- Aurora?
Aurora- Já estou cá em baixo, anda para o carro antes que a comece a chover ainda mais.
Eu- Estou a ir.
Despedi-me de Daniel saindo daquela casa cheia de pessoas tao estranhas quanto os meus pensamentos.
*