Coloquei as últimas coisas na minha pequena mala, que, apesar da sua pequenez, não ocupavam metade da sua capacidade sequer. De seguida fechei-a, ainda que com alguma dificuldade.
Era a última vez que punha os olhos na casa do antigo grupo do meu pai. Foi aqui que, embora mal, eu cresci e vivi a minha infância, por isso decidi dar uma volta antes de ir.
"Angel." Chamou uma voz um pouco rouca, que parecia perto. Virei-me, dando de caras com Jason. Jason Dornan era o braço direito do meu pai, e uma das pessoas a quem eu era mais chegada. "Já decidiste? Tu vais mesmo?"
"Eu... Tenho de ir, Jason..." Respondi, timidamente.
Não sou boa a fazer conversa, por isso um silêncio estranho e constrangedor pairava no ar do velho quarto de cheiro a lavanda.
"Quem vai ficar cá a tomar conta?" Perguntou.
"Eu estava aqui a pensar q-que tu... Podias... Tu sabes, f-ficar." Murmurei, gaguejando.
"Eu?" Inquiriu, com um pequeno sorriso a formar-se nos lábios.
"Eu confio em ti. Tenho a certeza que jamais me desapontarias, e sei o quanto tu queres isto."
"Quero muito." Os seus olhos brilhavam, enquanto uma expressão pensativa tomava conta do seu rosto.
Mordi o lábio inferior levemente. Estava a tornar-se um vício.
Se ele não aceitasse, significava que eu teria de cá ficar. A 80 km da população mais próxima e de um hospital de serviço.
A encolher-me toda ao ouvir o som das armas quando o gatilho é pressionado, a tapar os ouvidos às regulares discussões e os olhos quando eles se envolviam em lutas. A usar roupas de homem, mal lavadas, muito largas, algumas até com manchas secas de sangue.
Jason humedeceu os lábios, o seu olhar suavizou um pouco enquanto me fitava. "Não tens de te preocupar com nada." Disse-me. "Eu aceito cá ficar, afinal, é este o meu mundo, e está longe de ser o teu."
Finalmente permiti-me a soltar o ar que tinha preso. Nem tinha reparado nisso. Sem acrescentar mais palavaras, ele pegou na minha mala com uma facilidade invejável, e saiu com passos decididos. Sou uma pessoa relativamente fraca, às vezes desajeitada, mal consigo pegar em meia dúzia de batatas médias.
Olhei lentamente em volta. Queria absorver cada pormenor, guardar na minha mente de forma a jamais deixar as memórias ir. Exceto as más. Elas bem que podiam ir, mas não é assim tão fácil. Nunca o é, nunca o será.
Sei muito bem que vou sentir falta disto tudo; do cheiro a lavanda que toda a casa exala, da madeira que range ao mínimo toque, do pó que cobre todos os móveis, dos pedaços de sujidade nas torneiras e em alguns cantos da casa de banho, incluindo o chuveiro, das maçanetas enferrujadas.... Até da minha desconfortável e dura cama que, apesar de só ter maus adjetivos para classificá-la, não deixava de ser a única com colchão em toda a casa.
Era quase uma casa sórdida.
Quem se ofereceu para ficar comigo foi a minha tia Sophia. Nunca ouvi falar dela, não sei como é o seu aspecto, a sua personalidade... Mas Jason já teve um caso com ela, há alguns anos, e diz que é uma pessoa simpática e agradável.
Tudo o que sei sobre ela foi-me contado por Jason; é casada com Simon qualquer-coisa, que está agora nos Estados Unidos da América a trabalhar e tem cerca de dez filhos, mas a viver com ela atualmente apenas se encontra uma tal de Meredith, que é um ou dois anos mais velha do que eu.
Respirei fundo e passei a mão no armário, onde estavam as minhas poucas roupas ainda há instantes. Na cómoda que guardava as notas que eu costumava tocar no piano. Na cama, onde passei 17 anos da minha existência. E por fim na janela. Lembro-me de, quando era mais nova, fechar de manhã as portadas de madeira, com medo de entrar alguém. Ultimamente só as fechava à noite.
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Angel
Ficção AdolescenteAngel Waters, 17 anos, uma rapariga frágil que só conhece o lado negro da vida.