Sentimento

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Ana

Amadurecer é uma palavra difícil, pesada; durante essa estrada curvilínea, desafios surgem, destroem, deixam seu psicológico em pedaços, esmagam sem dó cada vez que seu coração bate esperançoso. Quando se é criança, tem todo o tempo do mundo; ama os pais, briga, desculpa, brinca, pula, acredita, chora, desenha, colore arco íris, alienígena, fada, princesa, ninja, castelo encantado, príncipe... Enfim, vida tranquila.

Mas, se é adulto, tem trabalho, vida social, status, dinheiro, moradia; um mundo que se baseia no quanto uma pessoa pode pagar para ter, ou seduzir, ou cativar.

E tem o meio termo: a fase entre os dez e vinte anos. ADOLESCÊNCIA.

Essa fase é a pior de todas. Fase de picuinhas, de namoradinhos, de saídas com o grupo, de brigas com os pais, de popularidade (ou exclusão), de "trabalhos da escola ou cinema? ", doce ou salgado? Mas o pior de tudo. É uma fase de descobertas. A gente aprende tudo: amar, desejar, possuir, conquistar, perder, chorar, rir sem parar, encantar... Como eu amo listar coisas.

É uma pena mesmo. Porque o mais horrível de tudo, é se apaixonar na pior e mais difícil fase de todas.

Meu nome é Ana. Sem 'H' sem 'NN'... Só Ana. E o dele? Nick. Abreviatura de Nicholas. Aquele, que te arranca o coração só de olhar com aquele lindo mar azul de seus olhos. Eu derreto todinha, viro uma poça de Ana no corredor do colégio, onde os alunos passam escorregando pois não há uma placa de 'cuidado, piso molhado'. E sabe porque odeio tanto isso? Bom... pelo simples fato de ter uma baranga, oxigenada, vestindo um look rosa, com um esmalte horroroso- que dá para enxergar da lua-, beijando aquele garoto poeta na minha frente! Eu choro lágrimas de sangue com o tamanho do desperdício. Eu sei que não sou uma miss, nem uma extra bilionária, mas sei que o que conta são as pequenas coisas. De que adianta mãos delicadas se não são para pincelar um quadro em branco?

Eu queria dizer para ele, que seu sorriso desenhado, seus olhos dos sete mares, são demais para se gastar com alguém tão sem personalidade própria! Mas, bem, o que posso fazer? Ter um gênio difícil não chega aos pés do campeão. Ele é demais para mim. E se escolheu a ela, talvez tenha visto algo que valha a pena tentar salvar?

Nick

Mais uma vez vi um cabelo castanho balançar perto de mim. Aquela garota, de pele morena, singelamente magra, novamente estava debruçada sobre a grande escadaria da entrada do colégio. Ela sempre esteve lá. Quieta, com sua pilha de livros, uma mochila surrada, e um diário sem chave- enfeitado por ela mesma-, sempre no mesmo horário.

Ela consegue expressar tudo o que escreve com aqueles olhos negros, e aqueles lábios de gloss de melancia; um livro aberto, porém enigmático. Sempre me perguntei porque ela escolhia aquele lugar. Para escrever um diário, não é melhor fazê-lo onde não há curiosos? Nunca tive a oportunidade de perguntar. Sempre que me vê, ela empalidece, vira a cara, começa a suar e a tremer. Cogito, logo existo: ela tem medo de que? De mim? Eu sou inofensivo!

Talvez seja minha altura, já que ela é uns 15 centímetros (ou mais) mais baixa que eu.

Gostaria de saber o que ela tanto rabisca naquele caderno de artista. Mas a loira do meu lado agora, quer que eu vá ajudar a carregar as "comprinhas" dela no shopping. Eu já estou irritado demais! Essa menina ainda não entendeu que eu só a beijei para que pudesse sair do meu pé? Que garota mais chata, tem tanto homem musculoso dando sopa por aí, por que bulhufas ela veio atrás de mim? Ela não desencana, e meus foras só a deixam mais esperançosa, então talvez tenha efeito contrário se eu entrar no jogo dela. Psicologia reversa. Uma droga.

O plano é: se ela insiste em me ganhar quando eu permaneço distante, talvez se eu fizer sua vontade, ela acabe se cansando de mim.

Odeio desperdício de tempo.

Fico chateado, pois quem deixa uma morena tão linda, sozinha nas escadarias de um colégio, e sai para andar com uma menina que sequer liga para sentimentos? Ah, claro. Eu.

Ana

Eu fiz um desenho dele. O desenhei como o Robin Hood da nossa peça escolar, em que nós dois estamos atuando. Eu coincidentemente atuarei como Lady Marian, a mulher que vai se casar com o herói da história. Golpe de sorte.

Mas ele saiu tão rápido pelo portão que tive dificuldade em recolher os meus livros e segui-lo sem tropeçar algumas vezes. Bom, de longe eu via ele andar com a popular enquanto caminhava. Me pergunto, porque as patricinhas são sempre loiras, amantes de rosa, loucas por dieta e namorados? Sério, nunca vi uma patricinha afro, com cabelos loiros trançados, cheia de bobagens, sendo tão mesquinha. Inclusive, minha melhor amiga em todos esses anos é uma bela diva de pele negra, linda como a escuridão noturna de um céu estrelado da madrugada.

Andei tão frustrada internamente que nem notei quando entramos no shopping, e me perdi do garoto alto de braços fortes. Parabéns Ana. Saí procurando por ele, o mais natural possível para não parecer uma louca, mas sério, eu estava completamente em pânico, sozinha no meio da multidão, é apavorante! Imagine uma claustrofobia e uma multidão. Fobia social, agorafobia, é horrível.

Pensei em desistir e entregar o desenho depois, mas fui arrastada por uma multidão de garotas enlouquecidas por uma promoção da loja mais famosa do shopping. Pronto. Entrei em pânico. Comecei a hiper ventilar quando olhei para os lados e não achei uma saída aberta do meio do empurra-empurra, meu sangue ferveu, e meus olhos começaram a umedecer quando senti uma mão grande repousar sobre o meu ombro e me guiar para fora da área perigosa. Era o Nick me salvando. Como ele me notou, eu não sei, mas sei que estava preocupado, porque em sua testa havia uma linha desenhada. Eu o encarei pasma por um bom tempo até conseguir me acalmar quando ele começou a falar. Aflita demais para ouvir, fiz leitura labial, e soltei um "não se preocupe, eu já me sinto melhor" acompanhado de um sorriso inconsciente. Pensei ter uma sujeira no dente quando ele manteve o olhar nos meus lábios, logo expliquei com um gaguejar, que tinha feito um desenho para ele. Na mesma hora seu rosto se iluminou e seus olhos brilharam, pelo jeito eu não parecia uma estranha ao seu ver.

Nick

Nem me importei com a garota escandalosa que me fez carregar tantas sacolas de roupa no caminho de casa. Afinal, aquela garota de olhos negros havia me notado, a esposa de meu Robin Hood, minha Lady Marian, minha mulher por direito! (Risos)

Seu traço é tão leve; a cor da aquarela é tão delicada, que posso imaginar as suas pinceladas cuidadosas, uma a uma, em um vai e volta, tudo calculado para me surpreender. E surpreendeu. Igual àquele sorriso. Como eu nunca notei aquele sorriso? Tão bela, tão esbelta...

Meu coração está batendo forte. Aquela garota é um Robin Hood disfarçado de anjo, que, ao invés de ouro, roubou o meu coração. Bastou um único gesto dessa menina misteriosa, para eu virar um romântico de plantão. E pude ver de perto suas feições; seus lábios, suas sobrancelhas com leve ar de preocupação, seu queixo ligeiramente arredondado...

Socorro.

Em plena juventude, nesse mundo atual, cheio de intrigas e mistérios a se resolverem, em pleno centro urbano, cheio de transportes de metais e prédios metálicos, surge um paradoxo.

Acho que me apaixonei.

Me apaixonei pelo sentir, e pelo não sentir. Pelo querer possuir, e pelo não poder possuir. Pela vontade de ter sua companhia, e pelo gosto de "quero mais" que se esculpiu em minha mente cheia de porquês e não porquês.

Me apaixonei pela imensidão de seus olhos negros, e pelo rubor em suas maçãs, e pelo brilho de seu gloss nos lábios, e pela curva de seus ombros... Me apaixonei por ela. Quem é ela?

Ninguém, nunca, nem por um segundo, me fez sentir como se faltasse algo no peito, que logo seria preenchido por um pedaço de coração perdido. Isso deve ser sinal cataclísmico, um breve grito do futuro me advertindo: ei garoto, você cresceu.

ParaleloWhere stories live. Discover now