A Guerra do Cego

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Já tenho viajado pelo mundo há muito tempo e devo confessar a você meu amigo, o que mais aprecio em minhas andanças é aprender coisas novas. Agora, retornando aos feudos da França nessa caravana de artistas, começo a me lembrar das coisas que aprendi sobre os homens do Oriente no Mercado de Baghdad, dentre elas, um provérbio que não sai de minha cabeça e ainda me deixa comovido.

Mas a fonte dessa comoção não é só por que, como todo provérbio, ele é uma dose de sabedoria ancestral tão poderosa quanto os exércitos de Saladino. Não, esse provérbio em especial além de me ensinar algo que aprendi com meus mestres, também toca meu coração, pois me faz recordar de uma antiga lenda de meu "Povo".

Atenção, caro amigo, aqui digo "RECORDAR", não "LEMBRAR", pois lembrar é o ofício da mente...

.... e recordar é o ofício do coração.

Também nessa mesma distinção de deveres da mente e do coração, feita por meus amigos romanos, mora a diferença entre fato e lenda. Mas já estou fazendo você perder muito tempo me explicando, não mesmo? Perdoe-me por esses devaneios, é coisa da idade... Pois bem, deixe esse velho bardo começar a lenda:

O Povo (a raça que antes da "Era dos Homens" reinava sobre todos) tinha entre seus vários impérios o reino de T'ueghar. Um lugar tão fantástico que mesmo eu, tendo nascido do outro lado do mundo, sabia das maravilhas que se falavam de sua capital homônima. Como a lenda diz:

"Lá, todas as ruas eram repletas de artistas.

Lá, todos os artistas eram repletos de talento.

Lá, todo talento era repleto de ouro.

Lá, todo ouro era repleto de corpos.

Lá, todos os corpos eram repletos de beleza.

Lá, toda beleza era repleta de palácios...

E no Grande Palácio morava o Jovem Rei"

O Jovem Rei sabia governar com justiça, honra e harmonia. Sua capital era dez vezes maior que qualquer outra, com muros cem vezes mais altos, com mil vezes mais pessoas e milhões de vezes mais felizes.

Até a cidade de T'ueghar, vinham os mais sábios cientistas, vinham os mais poderosos magos, vinham profetas de todas as fés, vinham todos de todas as raças de todos os mundos e o Jovem Rei os recebia de braços abertos. Um antro das ciências, artes, filosofias, fés e culturas era a grande T'ueghar. Tudo isso graças ao Jovem Rei.

Com o tempo, o jovem rei passou a ficar mais velho, se tornando só "Rei" e em troca da palavra "Jovem", o amadurecimento deu a ele incompletude. Sair para caçar monstros gigantescos, passar dias sobrevoando seus domínios em dragões ou encontrar tesouros perdidos em ruínas de povos antes do Povo, nada lhe trazia prazer como antes.

Sentia-se só, mesmo em seu harém com as mais belas mulheres, indo das alvas às de cor obsidiana, das douradas às púrpuras.

Sentia-se incompleto e, aconselhado por seu panteão de sábios, descobriu o porquê: Era a hora de aquietar-se, se casar e constituir uma família, como os Reis de outrora e ele sabia com quem faria isso.

O Rei tinha uma amiga, a única a quem confessava seus temores. Portanto, seguindo a tradição do Povo, escolheu sua melhor amiga como aquela que testemunharia sua vida e no fim, faria a transição com ele pelos Arcos de Prata, para onde o Vento Leste leva tudo.

Como presente, ele enviou para ela dez de seus pégasos mecânicos, mas ela recusou.

Então ele enviou cem djinns aprisionados em esferas de cristal, mas ela recusou.

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