Foi uma época muito difícil pra mamãe e para mim. Eu não tinha animo pra nada, comecei a ir mal na escola e a engordar. Naquela época, se eu dissesse que era feliz, estaria mentindo. Pelo contrário, me sentia a pessoa mais infeliz do mundo. Papai tinha acabado de sair de casa, eu vivia brigando com a mamãe e odiava a pessoa que eu era.
E como eu era? No fundo.da gaveta da escrivaninha, há um retrato meu, que guardei não sei por quê, se odeio tanto a imagem que eu vejo. Guardei-o talvez para lembrar tudo o que deixei para trás. Nele, vejo uma garota tristonha, de bochechas cheias, barriguda e pneus aparecendo numa blusa muito apertada.
Lembro-me que odiava qualquer tipo de exercício, as aulas de ginástica, e a única coisa que me dava prazer era comer, comer, comer. Uma.barra de chocolate inteira, quase todo um pote de sorvete eram pouco para mim. Sentia uma fome insaciável e estava sempre atacando a geladeira.
Mamãe, preocupada, me levou a um endocrinologista, tomei um monte de remédios, passei a fazer regime, prometia para mim mesma me controlar, mas não conseguia. E talvez nem quisesse. Comer demais era para mim uma fuga para os meus problemas.
Com isso, vivia cheia de complexos, achando que ninguém gostava de mim. Pra piorar mais as coisas, papai, que tinha prometido me ver um fim de semana sim, outro não, às vezes telefonava dizendo que não podia me ver por isso e por aquilo.
De início, sentia muita raiva, mas depois até achei bom não ir. Isso porque morria de vergonha quando encontrava com ele. Era chegar no aeroporto do Galeão, de mãos dadas com a aeromoça, e papai me beijava, dizendo sempre a mesma coisa:
- E como é que vai a minha piquinininha?
Eu passei odiar aquele ''pequnininha''! Além disso, não ficava à vontade naquele apartamento desconhecido, e ele também parecia não seber o que fazer comigo. Ainda no começo me mostrou os pontos turísticos do Rio, o Corcovado, o Cristo Redentor, e a praia de Ipanema.
- Lembra da música do Vinícius: ''Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça''? Pois foi aqui que ele conheceua garota e se inspirou para fazer a letra.
Sempre me contando a mesma história, me mostrando os mesmos pontos turísticos. Será que era realmente meu pai que estava falando comigo? Será que a distância em tão pouco tempo o tornva um estranho para mim? Ele me perguntava da escola, da minha vida, e eu não sentia vontade de contar coisa nenhuma. Respondia de maus modos:
-tudo bem, pai... Tenho estudado bastante...
Voltava para São Paulo, e ainda tinha de aguentar a cara de mamãe. Parecia que estava de luto, que papai havia morrido, que a vida dela tinha acabado.
Mas não demorou muito, felizmente, as coisas entraram nos eixos. Mamãe arrumou um emprego, ''uma porcaria de emprego'', como ela costumava se queixar. Mesmo assim, era um lugar onde podia ganhar seu próprio dinheiro, o que era bom para ela e, como não poderia deixar de ser, também bom para mim.
- Trabalho feito uma louca, meu salário mal dá pras despesas e, ainda por cima, a supervisora fica me ameaçando a demissão.
E assim, com um pouco mais de dinheiro em casa, mamãe pôde me pagar uma psicóloga. Acho que melhorei um pouco da cabeça, emagreci e, não demorou muito, parecia que ser filha de pais separados e pouco ver meu pai era a coisa mais normal do mundo
Até que fiquei sabendo que papai tinha voltado para São Paulo e arranjado uma namorada nova, uma tal de Maria Alice, que não fiz muita questão de conhecer. Também fiquei sabendo que ele estava em dificuldades financeiras. Isso porque escutei a mamãe discutindo com ele no telefone:
- Não quero nem saber de suas deficuldades. Não vou permitir que diminua a pensão, que já é muito baixa. Pois venda o carro, o apartamento. A escola da Cris subiu vinte por cento, e você ainda quer que eu ajude na mensalidade? Ora, thenha santa paciência! Se você se dignasse, pelo menos, a se iteressar por aquilo que sua filha faz...
Ia sibrar para mim, pensei, e realmente sobrou. O dinheiro novamente ficou curto em casa. Em compesação, devo confessar que melhorei minha relação com papai. Acho que ele já não sentia remorsos por ter me deixado pra trás ainda tão pequena. Por isso mesmo, não vinha mais com aquelas explicaçãoes tão chatas que só me irritavam, dizendo coisas do tipo ''embora distante, você está no meu coração'', etc.
A gente saía de vez em quando pra comer um lanche, pra conversar. Nada de muito especial. Às vezes, até falava da namorada:
- A Maria Alice e legal, você vai ver. Está louca pra te conhecer.
Um dia, fiquei conhecendo a tal Maria Alice. Ela até era legal, mas tinha uma vozinha enjoada, como se falasse pelo nariz:
- Seu pai tinha mesmo razão, você é realmente linda...- ela dizia, me dizendo um elogio que parecia falso.
Ficamos os três ali com cara de tontos, papai tentando se fazer de emgraçado, contando minhas aventuras quando eu tinha três anos:
- Aí, ela disse ''papá, faiz bambalão com nenê''...
A Maria Alice ria como uma hiena. E eu ali morrendo de vergonha