Feche Os Olhinhos, Holy

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           Eu pude sentir uma fisgada logo abaixo do meu peito, mas continuei a insistir em subir o telhado de minha casa, onde avistei o sol se pôr por trás dos montes verdejantes. Do telhado era possível se ver toda a fazenda de meu pai. A fazenda mais respeitada de toda cidade de Joursey, e a que causava mais maus-olhares de outros fazendeiros concorrentes. Uma cidade de caipiras, onde cada um plantava suas batatas, cenouras e entre outros legumes, esperando que deem frutos e sejam de bom agrado para comerciar na feira. Meu pai era um homem de sorte, pois habitava o melhor ambiente de Joursey: o lugar que mais caía chuva abundante, onde o sol mais se fazia presente, e onde a brisa do ar sempre passava. Se comparado, ali seria o paraíso, e o resto de joursey, o inferno.

           A fisgada abaixo do meu peito se alastrou até o pescoço, e a dor estava cada vez pior, olhei para o chão, me apoiando nas telhas, mas logo me veio uma extrema vertigem e rapidamente voltei meus olhares de volta para os montes. Mas havia mais do que essa fisgada; eu estava de certa forma tendo colapsos de uma crise de pânico. Conseguia me sentir suar frio, minhas mãos tremerem e meus pulmões quase não receberem oxigênio. Eu parecia estar prestes a morrer, então eu desci do telhado, pelo mesmo lugar que subi, e me dirigi até a cozinha de minha mãe, onde pude sentir um odor forte de coentro e agrião. Naquele momento eu tive certeza de que ela iria fazer o molho que meu pai adorava quando mamãe fazia.

          - Está fazendo o molho que pai gosta? – Perguntei repentinamente mas ela não havia se assustado.

          - Sim, estou fazendo o molho que teu pai gosta. – Afirmou ela sem olhar para mim, apenas continuando a fazer o que estava fazendo.

          - Eu também adoro esse molho que a senhora faz, mãe! – Eu disse em um tom de voz alegre, mesmo que me contorcendo de dor por quase todo meu corpo.

         - Espero que não fique muito ácido desta vez. – Disse ela ignorando meu elogio – E faça o favor, Holy, ajude o teu pai lá no celeiro, os cavalos são selvagens e é preciso alimentá-los.

        - Sim, senhora! – Percebi estar incomodando ela, então eu apenas me retirei sem resmungar e me dirigi até o celeiro, onde meu pai conversava com os cavalos. Ele costumava usar uma voz mais grossa que o normal, porém em um tom engraçado. Eu ri, e meu pai percebeu minha presença.

         - O que está fazendo aqui a esta hora? O jantar já deve estar na mesa, Holy! – Ele questionou sem dirigir seus olhares até mim, apenas continuando a fazer o que estava fazendo.

         - A mãe ainda está fazendo o molho, então me mandou aqui para ajudar o senhor. – Ele retirava o feno que fedia a merda e jogava para fora do celeiro, mas o cheiro do xixi e cocô dos cavalos pareciam estar impregnados por toda parte, literalmente grudado na madeira.

         - Ah, ela irá fazer aquele maldito molho novamente? Eu já estou cansado, e ela sempre deixa ácido demais, merda! – Blasfemou ele parecendo estar irritado – Mas não preciso de sua ajuda, Holy, da outra vez que tentou ajudar, você apenas atrapalhou, então vá para outro canto, menina, o cavalo Efésios deixou acumular tanta merda no canto da parede que o maldito conseguiu fazer uma montanha de bosta, então eu terei muita coisa para limpar.

        Eu então, novamente, fiz o que me mandaram fazer, e saí de perto, a dor ultrapassava o nível de intensidade a cada minuto, e eu já não sabia o que fazer, então corri para dentro do milharal; corri até conseguir me sentir perdida e sem rumo, até ter medo de não conseguir achar o caminho de volta, e por fim, me sentei, sozinha no meio do milharal, me encolhi, pressionando meus joelhos junto ao meu peito, com força, esperando que de alguma forma aquela dor voasse para fora do meu corpo, mas a tentativa era inútil. Então eu apenas fiquei a olhar o chão, observando os inúmeros caules que me cercavam, e esperei ansiosamente a dor ir embora.

         Mas o silêncio encantador da noite, e o som dos grilos, foram interrompidos por um abrupto grito, um som que se tivesse saído de uma garganta humana, as cordas vocais haveriam de ter rasgado no mesmo instante. Eu me ergui novamente, tentando avistar a minha casa por cima do milharal, mas era quase impossível, eu havia corrido para muito longe. Corri de volta, tentando ser o mais rápido possível, quando um segundo grito havia sido solto ao vento, e minha dor estava a pulsar, algo parecia me dizer para voltar, e se esconder no milharal, mas é como dizem: a curiosidade matou o gato.

         - OH NÃO! POR FAVOR, NÃO FAÇAM ISSO! – Alguém suplicava e eu já havia reconhecido a voz. Era meu pai.

          Diminuí a velocidade quando percebi que já estava a chegar, assim fosse o que fosse o perigo que estava a fazer mal para minha família, não veria o milharal se mover e assim me descobrir. Algo havia se aflorado dentro de mim, talvez medo, não, um instinto, algo estranho, que de alguma forma me fazia saber como  agir nesta situação.

          - Olha como ele se rende rápido por um rabo de saia, Justin! – Eu avistei 4 deles, eram altos, fortes e usavam roupas pretas, na verdade eram túnicas, o que me deixou com ainda mais medo deles. A voz era masculina e ele segurava uma espingarda em uma de suas mãos, apontando na cabeça de minha mãe, que estava jogada sobre o gramado, chorando e pedindo misericórdia.

          - Não façam mal a minha família, garotos, eu os imploro – Eu nunca havia visto meu pai daquela forma, tão frágil e medroso. Eu também estava com medo, mas algo não me deixava perder o controle.

          - Nós não vamos fazer mal algum! Estamos fazendo apenas um favor a quem nos pediu isso. Não esqueçam que os verdadeiros monstros, são os seus vizinhos. – Alertou um deles, aparentemente era o Justin.

         - Só não a machuque, eu faço o que vocês quiserem, mas não toque na minha esposa!

          - Vocês ouviram, rapazes, ele pediu para tocar na esposa dele! – Um deles dizia, enquanto se agachava para segurar com força as mãos da minha mãe. O Justin se dirigiu até meu pai e bateu contra a cabeça dele com um martelo, fazendo ele cair inconsciente sobre a terra, e um pouco de feno fedido que havia ali por perto.

         - Segure ela bem, Freedom, não quero ter que matá-la de forma rápida. – disse um dos homens que levantavam o vestido da minha mãe, que gritava, implorando que não fizessem isso a ela. – Para uma caipira, você até tem um corpo aceitável, vadia – Fechei meus olhos, como toda vez quando eu assistia um filme junto aos meus pais e uma cena indecente passava na tela da TV quase minúscula que ficava sobre uma cômoda de madeira mofada na sala. Minha mãe me olhava e eu já sabia o que ela queria dizer: mãos cobrindo os olhinhos. E ali, escondida no milharal, coloquei minhas mãos sobre os meus olhos, mas eu odiei, pois eu queria naquele momento ter 4 mãos, assim eu tamparia meus ouvidos, pois os gritos de mamãe eram altos, e me faziam ter muito mais medo. Lembro de ter chorado naquela noite, chorado enquanto minha mãe gritava. Aquela noite era claramente o fim.

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