Parada Única

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O tempo na estrada parecia estender-se infinitamente. Esticar. Derreter. Perder o foco. Dave tinha todas essas sensações, a medida que o sono lhe tomava os sentidos. A monotonia do trajeto contribuía para o cansaço. Apenas um pedaço de asfalto, cercado por árvores. As vezes surgiam um carro ou caminhão, mas eram uma visão breve e quase irreal, como um espectro. Além disso, nem sabia mais se estava no caminho correto. Acreditava que devia ter virado na segunda saída, na interestadual. Ou era a terceira? Não tinha mais certeza.

Os olhos pesados de sono voltaram-se para o relógio de pulso. Já passavam das... vinte e... três? Norma ia ficar puta, com certeza. Prometera para a esposa que chegaria até as 19 horas, no máximo. Precisava acelerar mais.

Assim que considerou a ideia, uma carreta surgiu no sentido contrário, buzinando porque o Buick Riviera de Dave estava invadindo a contramão. Dave levou um susto e tentou desviar, mas foi o movimento rápido do caminhoneiro que salvou a vida dele.

— Presta atenção, filho da puta. — O caminhoneiro gritou.

(Se você continuar assim, Dave amigão, seu reencontro com Norma vai ser com ela te raspando do asfalto com uma espátula)

Dave decidiu que era melhor parar para descansar. Não queria correr riscos.

— Presta atenção, filho da puta. — Dave murmurou para si mesmo.

***

Mais vinte minutos de direção sem rumo e a luz neón, que poderia muito bem ter saído de Tron, surgiu no horizonte. "Cafeteria The Big Chill" dizia o letreiro brilhante e, logo abaixo, "Aberta 24 horas". A pequena cafeteria parecia aconchegante, no melhor padrão beira de estrada. A iluminação brilhante quase doía de olhar mas, para Dave, era ótimo. Com certeza teria um telefone pago, onde ele poderia ligar para Norma e explicar o atraso. Talvez até pudesse dormir no carro, se precisasse.

Parou o carro no limitado estacionamento e se dirigiu a entrada.

O sino na porta de entrada imediatamente chamou a atenção da balconista, que virou-se na direção de Dave com um sorriso que beirava o exagero. Em seu crachá, lia-se Cherry.

— Bem vindo ao The Big Chill. O que deseja?

Dave notou que, sobre o balcão, havia uma cópia de O Restaurante no Fim do Universo. Deu um sorriso contido.

— Só café já está bom.

— É pra já, senhor. — Ela respondeu com simpatia.

Dave sentou-se em uma das mesas exageradamente vermelhas, ao lado das amplas janelas. Perto dele, uma jukebox (obviamente enfeitada com neón) tocava uma música do álbum mais recente de Michael Jackson.

'Cause this is thriller

Thriller night

And no one's gonna save you

From the beast about to strike

— Você está aqui há muito tempo? — Dave perguntou, distraído.

— Ah, sim. Há muitos anos. — Cherry respondeu, com a simpatia inabalável. — Muitos mesmo.

— Quantos anos?

A garota fez sinal de responder, mas parou de repente. Os olhos vidrados fitavam o horizonte, sem expressão. A boca entreaberta fazia Cherry parecer ter entrado em um estado de catatonia repentina. Dave notou que as pálpebras dela se agitavam, como em um tique nervoso.

— Moça? — Ele perguntou, preocupado. — Ei, moça?

— Hãn? Que? — Ela respondeu, com a voz embargada.

Lanchonete MalditaWhere stories live. Discover now