Terceiro Capítulo

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Embora, a fada fosse muito sábia, ela ignorava que o amor impetuoso pouco se importa à prata e ao ouro, desde que possa satisfazer-se.

Galantemente, a pele foi concedida mal foi solicitada.

A infanta assustou-se terrivelmente quando lhe trouxeram a pele e queixou-se amargamente de sua sorte.

A madrinha apareceu e explicou que quando se faz o bem nada se deve recear.

Orientou-a deixar crer ao rei que ela estava totalmente disposta a sujeitar-se com ele à lei conjugal.

Mas ao mesmo tempo ela deveria partir sozinha e bem disfarçada para algum estado longínquo a fim de evitar um mal tão certo e próximo.

— Eis aqui – prosseguiu ela – uma arca onde vamos colocar todos os seus vestidos, o seu espelho e artigos de toalete, assim como os seus rubis e diamantes.

Dou-lhe ainda a minha varinha, se a levardes na mão a arca seguirá seu caminho escondida sob a terra.

E se quiser abrir o baú, basta tocar a varinha na terra para vê-lo perante seus olhos. Para se tornar irreconhecível, a pele de asno será um disfarce perfeito. Esconda-se bem dentro da pele, que ninguém acreditará, sendo tão feia, poder esconder algo tão belo.

Mal a princesa saía assim travestida da morada da fada madrinha, o rei que se aprontava para a celebração do feliz casamento, no frescor da manhã, ficou sabendo do seu funesto destino.

Não houve casa, caminho ou bulevar que não fosse revistado prontamente.

Mas foi em vão tanta agitação, ninguém podia adivinhar o que acontecera à princesa.

Espalhou-se por todos os lados um triste e torpe desgosto.

Afinal, não há bodas, não há baile, não há doces de festa.

Desencorajadas, as damas da corte nem quiseram jantar, mas foi, sobretudo, o padre que ficou triste por almoçar tão tarde e não ter tido oferendas.

Neste ínterim, a infanta seguia o seu caminho com o rosto completamente sujo e cheio de gordura.

A todos os andantes ela estendia a mão e tentava arranjar um lugar para servir, porém os menos delicados e os mais infelizes, vendo-a com tão mau aspecto e tão asquerosa, não queriam escutar nem recolher em casa uma criatura tão imunda.

Ela andou bem longe, muito longe, ainda mais longe.

E, enfim, entrecorreu que a moça chegou a uma granja onde se precisava de uma serviçal que lavasse trapos sujos e a pocilga dos porcos.

Instalaram-na num canto, ao fundo da cozinha, onde os criados, esses insolentes, não faziam senão zangá-la, contradizê-la e ralhar com ela.

Perseguiam-na sob todos os pretextos, já não sabiam mais que peça lhe pregar e era o alvo cotidiano de todos os deboches e chistes.

Pele de asno, de Charles Perrault  Onde histórias criam vida. Descubra agora