Aos domingos tinha um pouco mais de descanso.
Havendo cumprido as suas tarefas de manhã, entrava no quarto e, atrás da porta fechada, desencardia-se, abria a arca e alinhava os potinhos de beleza.
Diante de seu grande espelho, contente e satisfeita, punha ora o vestido de Lua, ora aquele no qual brilhava o fogo do Sol, ora o belo vestido azul que todo o azul-celeste não conseguia igualar.
Ficando triste apenas por não poder ver a cauda de seus belos vestidos derramarem-se sobre o estreitíssimo chão.
Gostava de se ver assim jovem, rubra e branca, cem vezes mais elegante que qualquer outra, tal doce prazer amparava-a e permitia-lhe chegar ao domingo seguinte.
Quase me esquecia de dizer que nesta rica granja se fazia criação de aves para um rei poderoso e magnânimo.
Ali havia galinhas da Índia, galinhas-d’água, galinhas-d’angola, alcatrazes, patos da Guiné e mil outros pássaros de bizarras maneiras, quase todos diferentes entre si, enchiam à vontade dez quintais inteiros.
O filho do rei vinha frequentemente repousar a este harmonioso lugar com os senhores da corte, bebendo água gelada, quando voltavam da caça.
O seu ar era real, a sua expressão marcial e propícia a fazer estremecer os mais orgulhosos batalhões.
Pele de Asno viu-o de bem longe com ternura e a ousadia fez com que ela percebesse, sob sua imundice e andrajos, que ainda batia um coração de princesa.
— Mas que porte majestoso ele tem, ainda que despretensioso! E como é amável – pensou ela –, que bem-aventurada é a jovem a quem o seu coração esteja prometido! Eu estaria mais bem vestida com um vestido sem valor, com o qual ele me tivesse honrado, do que com todos aqueles que tenho.
Um dia o príncipe, andando sem destino de paragem em paragem pela granja, passou numa área obscura onde ficava o humilde aposento de Pele de Asno.
Por acaso pôs um olho no buraco da fechadura.
Sendo dia de festa, ela tinha se arranjado ricamente e posto as esplêndidas roupas, tecidas de ouro fino e grandes diamantes, que rivalizavam com o sol na mais pura claridade.
Contemplando-a, o príncipe ficou à mercê de seus desejos e tal foi seu deslumbramento que mal conseguia retomar o fôlego ao olhá-la.
Independentemente dos vestidos, a beleza da face, o seu belo perfil, a sua alva branca, os seus traços finos, a sua frescura juvenil, deixaram-no cem vezes mais fascinado.
Mas certo ar de grandeza, mais ainda, um pudor modesto e ajuizado, apoderaram-se de todo o seu coração.
No calor do fogo, ele esteve três vezes para derrubar a porta.
Mas, crendo ver uma divindade, por três vezes o seu braço se deteve por respeito.
No palácio, isolou-se pensativo, lá suspirava noite e dia.
Não queria mais ir ao baile, embora fosse carnaval.
Detestava a caça, detestava a comédia, já não tinha apetite e tudo lhe fazia mal ao coração, sendo o fundo de sua doença uma triste e mortal languidez.
Indagou-se sobre quem era aquela admirável ninfa que vivia em um recinto ao fundo de uma área tenebrosa, onde nada se vislumbrava em pleno dia.
— É Pele de Asno – disseram-lhe –, que nada tem de ninfa nem de bela.
Chamam-na assim por causa da pele que traz sobre os ombros, é verdadeiro remédio para o amor, dado ser em suma o animal mais feio que se possa ver a seguir do lobo.
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Pele de asno, de Charles Perrault
Short Storybom, vim aqui para postar alguns clássicos que eu descobri esse ano no meu curso e queria compartilhar dessas estórias dos mestres da literatura infantil com vocês! o primeiro clássico é esse "Pele de asno" ,como vocês estão vendo, e vou conta...