saudade,

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saudade (s.f.). sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas.

- sad.

Embora que a tela transmita sua versão esverdeada e um pouco falha, você ainda é o mais bonito dos seres.

O momento que você acionou a câmera desse lado, eu pude perceber que o nosso quarto continua o mesmo. A cama do mesmo jeito que você prezava. Você está usando propositalmente a minha blusa preferida?

Fingirei por você que as falhas na imagem ocultaram seus lábios tremidos, seus olhos chuvosos e suas bochechas rosadas. Fingirei que não te vi fungar apressado e dar um sorriso nervoso porque não queria passar esta impressão. Mas eu sei, bebê, eu sei que os seus prantos não cessam. Eu sei, minha vida, que esse travesseiro vazio ao lado é o teu calcanhar de Aquiles e ao mesmo tempo tua válvula de escape. Sei, meu amor, que não se descreve a angústia, o temor. Tu não consegues descrever toda essa saudade do peito.

Eu sei disso, meu anjo, porque eu me sinto da mesma forma.

Porque as imagens que eu catalogo são tão escuras quanto esses teus olhos pequenos. Os luminosos que passam pelas brechas do meu veículo são tão brilhantes quanto a tua existência terna. O lugar onde estou é tão amplo, complexo e indescritível quanto o meu amor por você.

Eu sei disso, querido, porque eu também finjo não chorar, eu finjo que está tudo bem, finjo que te ver apenas me traz alegria. Eu sei fingir muito bem que não sinto desespero em saber que talvez eu nunca te veja mais.

- Um dos meus professores me indicou um amigo assessor, que talvez possa me mostrar uma editora, Jeon. Ele acha que conseguirei - você falou, tão choroso quanto alegre, a mãozinha apoiada ao queixo, enquanto sorria tão abertamente para mim - Você acha que eu um dia conseguirei publicá-lo, meu amor?

- Claro que sim, meu amor - aproximei-me da tela, enquanto tocava as laterais da máquina, imaginando que eu que tocava. Imaginando que sua textura macia ainda poderia presentear-me. E eu acaricio, porque tenho muito medo de esquecer a sensação - Você é o melhor escritor que eu conheço, você vai sim! - eu respondi quase que involuntariamente, tão comovido em saber que algo encaminhou teu sonho. As lágrimas foram instantâneas.

Troquei-te. As imagens continuaram mesclando entre o verde e o cinza, mas você era nítido. Tão nítido que consegui ver teus dias e anos. Consegui perceber-te com feições maduras que para mim ainda não eram distintas, igualmente tão belas. Vi seu cabelo, que na época estava tingido no meu favorito tom de laranja, agora tomar o teu preto erótico e poderoso.

- Um milhão de cópias, minha vida - levei a mão direita a minha boca, boquiaberto. Você conseguiu, você publicou! Você é a coisa que eu mais me orgulho no mundo - 'Lírios e Pérolas' chegou a tudo isso, Jungkook. Eu não consigo acreditar - você passou os dedos freneticamente pelos olhos, sorrindo de permuta, pois trocavas de lábios abertos e dentes brancos para as lágrimas prateadas - Você sabe que todo o reconhecimento é por sua causa. Foi você, meu amor, que me fez escritor. Não credite a mim todo o sucesso, porque nada teria acontecido se você não tivesse sorrido para mim - quando dizes coisas assim, ficas cabisbaixo, tão tímido - Eu não teria inspiração nenhuma se você não tivesse me dado aquele buquê improvisado de flor lírios quando passei na faculdade. Se você não tivesse me beijado naquele sítio eu não seria quem sou hoje.

E você sabe o quanto eu estava chorando, Jimin. Você tem consciência de que quando começas a falar disso, eu não consigo fingir.

E então você disse, aquilo que nós prometemos um ao outro que nunca diríamos. Aquilo que eu te disse que nós nunca sentiríamos porque nunca nos afastamos, porque nunca houve motivos para isso. Afirmei-te, você concordou. Mas agora, nesse soluço seco, nessas lágrimas sobre a câmera, você quebrou a promessa. Você proferiu aquelas palavras.

- Eu sinto saudade de você, Jungkook.

E desencadeou em mim esse sentimento, Jimin. Porque eu me privei disso, eu me policiei para nunca sentir algo negativo quanto a nossa distância, mas você não me ajudou. E eu descobri, Jimin, que há uma coisa que eu não consigo fingir.

Eu não consigo fingir que não sou desesperado pela tua presença.

Eu não consigo desistir de olhar a tua foto, de chorar sobre ela, e gritar audivelmente para meu subconsciente que você é a única coisa que excede o tempo e espaço. Você excede as dimensões, a física quântica. Você é superior a teoria, a prática.

Embora eu hesite em dizer isso a quem seja, e embora que isso seja contra os meus princípios: você é sobrenatural, Jimin.

Eu posso detalhar-te a gravidade, o tempo, o espaço, a sociedade, o clima, o revelo. Eu posso prever o que acontecerá com a Terra futuramente. Posso, sem espaço para dúvidas, dizer-te e explicar-te todas as atuais descobertas de todos os âmbitos da ciência.

Mas eu não sei te explicar, Jimin. Eu não sei por que seus olhos transcendem meus mundos, meus ares. Eu não sei por que o teu sorriso crava e aperta o meu coração. Não entendo porque um movimento tão fugaz de lábios é tão pérfido aos meus olhos. Eu não sei porque orbito em torno de ti, e porque a vastidão de um buraco negro é menor que as tuas virtudes.

Você não faz sentido, Jimin. E eu não acredito nisso, porque tudo há uma causa, tudo tem uma explicação. Mas você não tem, Jimin. Porque na tua boca eu encontrei outras galáxias, planetas com vida, encontrei respostas para as minhas missões. No teu amor eu encontrei um mar de estrelas, encontrei os fenômenos da natureza, anomalias gravitacionais. Eu não sei te explicar, Jimin.

- Diga olá para o papai, Jihyun - as imagens mudaram. Eu te vi, Jimin. Te vi mais velho, creio que beiras os trinta e cinco. Teus cabelos encurtaram, ainda não deixas mínima barba crescer. Tuas maçãs do rosto permanecem tão mordíveis. Você continua o mais lindo dos seres. E eu não consigo fingir novamente que o meu choro alto é por tua causa - Você lembra, Jungkook? Que já tinha sido decidido que seria Jihyun? A nossa barriga de aluguel deu certo - deu-se a chorar, como se conseguisse ver minha situação do outro lado da tela - A nossa filha quer muito te ver um dia - e soluçou.

E se foram, Jimin. Passavam-se os dias, e eu lembrava que teus anos se passavam.

E foi quando avisaram-me da tua nova mensagem que eu tinha terminado minha missão, Jimin. Eu não precisava mais de nada aqui. Eu não tinha mais o que fazer. Eu só queria ver-te, apenas isso. Apenas sentir que teu amor permanecia o mesmo, que teus sonhos comigo permaneciam os mesmos.

- Minha vida - procurei-te, Jimin. A imagem estava totalmente nítida, não era falha, e eu definitivamente não alucinava. Havia um velhinho sorridente e de tom manhoso apoiando as duas mãos em uma bengala - Nossa filha ingressará em um doutorado fora. Ela está tão feliz com tudo. E eu não poderia estar mais orgulhoso. Creio que você também está. Pelo menos eu peço que esteja - era rouco, mas eu ainda conseguia discernir-te. Eu conseguia encontrar o meu doce jovem na tua velhice. Eu ainda te amava, eu ainda te amo.

Quando você começou a chorar novamente, vi que sua mão foi levada com dificuldade aos olhos. Os movimentos trêmulos tentando abafar teus planetas vermelhos de lamúrias. Você desenvolveu mal de parkison, bebê?

Anunciavam a todos que voltaríamos, então. Eu voltaria, Jimin. Eu voltaria para ti, enfim. Eu conheceria nossa filha, eu iria ver-te velho e amável.

- E-Ele, ele... - um soluço tão forte quanto o que eu dei. A moça tão amada por mim de seus aparentes trinta e cinco levou a mão ao peito nervosa, a falta de ar em meio ao pranto a trazendo gagueira - Foi um infarto, pai.

E então não conseguiu fingir, Jimin? Não conseguistes fingir que a vida é curta? Que ela vai e vem? Não conseguistes forjar tua idade? Por que não procurastes a fonte da juventude para esperar-me, meu anjo?

Foi ali, Jimin, quando eu vi a terra cada vez mais próxima de minha janela que eu notei que não conseguíamos fingir, Jimin. Eu sentia, sentia, Jimin. Eu sentia sua falta. E eu agora poderia então gritar para os quatro ventos terrestres: Eu senti saudades!

Mas agora, independente da promessa, você não poderia.

oi

meaning | oneshots book.Onde histórias criam vida. Descubra agora