Prólogo

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Passo os olhos pelo pequeno quarto, absorvendo cada detalhe. Um sorriso suave se forma em meu rosto ao perceber que, depois de doze horas de trabalho árduo, o resultado finalmente é satisfatório. O chão ainda exibe marcas do esforço, mas o ambiente, agora em ordem, parece um refúgio acolhedor. Sento-me, sentindo o frio do piso contra a pele, e pego o martelo, cujo cabo áspero pressiona meus dedos de forma incômoda. Olho para ele com desaprovação, rindo de mim mesma. Sempre me pego interagindo com objetos inanimados como se eles pudessem responder.

Subo na cama, observando a parede à minha frente. O som oco do prego entrando no gesso se mistura com meus pensamentos dispersos. Quando finalmente termino, observo o prego firmemente fixado, mas sem ideia do que pendurar ali. Decido que isso pode esperar. Estou exausta. Desde que cheguei à nova casa, mergulhei nas tarefas da mudança, ocupando minha mente para evitar o pensamento do que realmente me aflige: o primeiro dia de aula. Ser uma garota transferida de uma universidade do interior parece um desastre iminente. Mas, ao menos, o quarto está arrumado.

A cama encostada na única parede azul se destaca como um ponto de tranquilidade no meio das paredes creme suaves. A janela de blindex, grande e imponente, permite a entrada de uma luz suave, filtrada pelas grossas cortinas azul-escuro. Cada detalhe parece cuidadosamente planejado para criar um ambiente harmonioso: a escrivaninha ao lado da cama, a penteadeira no canto oposto e o guarda-roupa amadeirado, que traz um contraste acolhedor.

— E agora...? — murmuro, segurando entre os dedos o filtro dos sonhos que havia pertencido à minha avó. Suas penas delicadas, de um azul profundo, balançam levemente com a brisa que entra pela janela. Para mim, ele sempre foi um tanto quanto mágico. Minha avó acreditava que ele afastava pesadelos, e isso fazia sentido, já que eles sempre se fizeram presentes em minha vida mas com o uso dessa belezinha foram quase todos embora. Com cuidado, penduro-o perto da janela, sentindo um calor reconfortante ao ver o objeto em seu lugar. — Terminei.

O filtro dos sonhos e estilo de vida excêntrico de vovó me lembra "House of Night", uma das minhas sagas literárias favoritas. A protagonista também tinha uma avó com fortes laços culturais, mas enquanto a dela cultuava as tradições Cherokee e morava perto de um campo de lavandas, a minha cultivava morangos no quintal, as duas faziam uso de galhos de citronela e sal grosso para afastar o mal como ninguém.

Minha avó sempre se comovia com meus pesadelos. Lembro-me de noites em que acordava chorando, sem forças para chamar por ajuda, e era sempre ela quem vinha, como se sentisse meu desespero. Houve uma época em que fiquei quatro dias sem dormir de verdade, apenas tirando cochilos esporádicos durante o dia, com medo do que poderia encontrar nos meus sonhos. Eu tinha apenas oito anos, mas parecia carregar o peso do mundo em minha mente.

Esses pensamentos me tiram da inércia, e sinto um impulso repentino de descer as escadas. Minha mãe está na cozinha, focada em suas tarefas, quando escuta meus passos apressados.

— Não corra, Melissa! — ela avisa, sem desviar o olhar da panela. — Escadas são perigosas, você sabe disso.

Observo sua figura enquanto ela se move com elegância pela cozinha. Seu vestido bege simples a faz parecer ainda mais serena, enquanto seus cabelos amendoado estão presos em um rabo de cavalo despretensioso. Ela parece estar sempre no controle, mesmo quando está cansada.

— Terminei tudo lá em cima. Acho que estamos prontas — informo, com uma sensação de alívio.

Ela assente e eu me viro para o computador na sala, onde um e-mail novo pisca na tela. Aproximo-me, curiosa.

— Mãe, sua chefe mandou mensagem — digo.

Ela caminha até a mesa e abre o e-mail com um suspiro, provavelmente já esperando o teor da mensagem.

— Finalmente. Achei que Barney fosse me enlouquecer com as mensagens no celular.

Apoio a cabeça em seu ombro enquanto ela lê.

— Querem conversar comigo amanhã sobre uma possível promoção e uma campanha.

— Você está indo bem, hein? Mal chegamos e já tem uma promoção em vista. E um homem insistente te perseguindo.

Ela ri, balançando a cabeça em reprovação.

— Melissa...

— Só estou brincando. Mas não faça nada de graça! — continuo, sorrindo.

Ela sorri de volta, mas então muda o tom.

— Sinto muito por te forçar a mudar de faculdade no meio do ano. Sei que isso deve ser difícil.

— Mãe, não foi forçado. Eu vim porque quis. E, para ser sincera, conhecer gente nova pode ser algo bom.

Digo isso, mas, por dentro, um frio incômodo toma conta de mim. Sempre me senti deslocada entre as pessoas, uma estranheza que tornava qualquer tentativa de amizade um desafio. Tento afastar esses pensamentos com outro comentário brincalhão sobre Barney, e ela ri.

No quarto, encaro o espelho. Meu cabelo branco sempre chamou atenção, um traço incomum que me acompanhava desde o nascimento. Muitos pensavam que eu tingia, mas era apenas uma peculiaridade genética. Agora, era só mais uma coisa que me fazia diferente.

Após um banho quente, coloco meu pijama favorito, um presente da vovó, e me deito, cercada pelo silêncio reconfortante. Mais uma noite sem sonhos, apenas a escuridão que me abraça.

Na manhã seguinte, a luz azulada invade o quarto pelas frestas da cortina, e levanto com uma sensação de inquietação. Visto-me rapidamente, escolhendo uma regata preta para não chamar tanta atenção ao meu cabelo já chamativo, e desço as escadas.

O cheiro de panquecas me envolve, e minha mãe me oferece um prato com um sorriso acolhedor.

— Não exagere — ela adverte, rindo.

Após o café, seguimos para a universidade. O dia promete desafios, mas a sensação de que algo está prestes a mudar me acompanha. Ao chegar à biblioteca da faculdade, percebo o quanto o ambiente é acolhedor, suas paredes vermelhas escuras cheias de história. No balcão, uma senhora de cabelos brancos lê atentamente, e me aproximo, curiosa.

— Olá, sabe me informar como funciona o empréstimo de livros na biblioteca?

Ela levanta os olhos e sorri.

— Sem nenhuma burocracia muito enigmática, vou te explicar — responde. E então rapidamente me informa sobre o sistema bibliotecário, depois se apresenta como Tina e eu completo dizendo que meu nome é Melissa.

Exploro as estantes de mitologia depois que entro, mas então, de repente, sinto um arrepio. Ao longe, um rapaz me observa com um olhar intrigante, e o mundo ao meu redor começa a desmoronar. As luzes piscam. Meu coração acelera. E então...

Sangue. Dor. Flores.

A escuridão me engole.

Caída (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora