Após quinze anos viajando o mundo atrás dos lugares em que sonharam conhecer, finalmente encontrei a casa em que sonhamos viver e agora neste vagão recosto minha cabeça no vidro observando a paisagem em constante movimento, minha mão tocando a câmera pendurada em meu pescoço. O tremor dos vagões embala meu corpo e minhas pálpebras pesadas se fecham apenas para sonhar mais uma vez com as lembranças de quando ainda éramos uma família, em meu aniversário de dez anos as coisas mudaram por minha culpa, ainda posso ouvir os sons daquele dia claramente e me odeio a cada ano que passa.
Meus olhos se abrem sem nenhuma surpresa, pois esta cena me persegue sempre que meus olhos se fecham, a estação se aproxima cada vez mais assim como o fim das fotos tiradas por tantos anos, a câmera que carrega nossa promessa se aposentará no final do verão. Tirando minhas malas do taxi que me trouxera a nosso novo lar fui questionado sobre o que levaria um jovem a morar sozinho em uma casa próxima a um penhasco, ri por achar a resposta óbvia e disse que não existe lugar mais apropriado para um fotógrafo tirar fotos da natureza, o motorista se retirou após alertar-me para tomar cuidado.
A poeira dançava no ar como espectros de luz, após abrir todas as janelas da pequena casa comecei a lavar o chão enquanto músicas tocavam no rádio, retirando teias de aranhas não notei o tempo passar e quando me dei conta que o sol começara a se por decidi tirar fotos no jardim de girassóis, com minha câmera em mãos sai da casa e comecei a tirar fotos. Até que em dado momento pela lente de minha câmera pude ver a silhueta de uma mulher com sua mão direita estendia para o céu, seus olhos deixaram de focar em sua mão para observar o pôr do sol, o vento passava por seus cabelos ruivos enquanto seus olhos se fechavam, lágrimas eram levadas junto a pétalas refletindo em si o brilho do sol que em breve desapareceria, pelo menos a maneira como ela observava aquele sol era como se ele jamais fosse aparecer, ou foi o que pensei.
Em minha câmera aquela imagem foi capturada e quando a lente não estava diante de meus olhos aquela garota havia desaparecido como o sol que já não mais queimava no céu, ela não estava em nenhuma parte do jardim e assim após tomar um banho gelado me deitei e mais uma vez fui levado para as lembranças daquele aniversário. Corri pelas ruas para chegar em casa e finalmente comemorar meu décimo aniversário, o vento em meu rosto fazia cócegas e ao abrir a porta avistei uma caixa com estampa de estrelas em cima da mesa de jantar, ao lado um bilhete de aniversário escrito por meus pais dizendo que eu poderia abrir meu presente já que eles iriam se atrasar alguns minutos. Porém quando toquei o bilhete uma luz me cegou por alguns segundos, quando abri novamente meus olhos me encontrei no jardim e lá estava à garota de antes, seu cabelo acinzentado alcançava seus ombros e mais uma vez ela observava sua mão estendia ao céu.
Notando minha presença ela logo se levantou aliviada por ter companhia, mas ao mesmo tempo parecia espantada por alguém estar junto a ela, perguntei a ela onde estávamos e quem era ela e sem me responder se moveu em minha direção e tentou tocar minha mão, mas sua mão apenas me atravessou por mais que eu não sentisse nada. As palavras "Isso só pode ser um sonho..." deixaram minha boca nesse momento e foram rebatidas por "De fato é um sonho, mais precisamente um sonho partilhado com um fantasma. Você esta vivo e por isso não posso te tocar, ah isso é muito estranho, por que você conseguiu entrar no meu sonho?" Não consegui compreender o que ela estava dizendo, então após suspirar ela calmamente me explicou que ela havia morrido naquele penhasco dez anos atrás após escorregar na borda, mas que não fazia diferença já que sua vida não possuía valor. Comecei a rir daquela loucura, mesmo que ela dissesse que não se importava em estar morta ela chorava e queria que eu acreditasse que algo neste sonho faz sentido, estendi minha mão para tentar tocar seu rosto, mas como esperado minha mão atravessou sua cabeça, tudo aquilo parecia uma piada de mau gosto, porém quando despertar isso tudo terá acabado não é mesmo?