Hoje em dia eu já consigo andar pelos lugares onde minha irmã gostava de ficar. Consigo até mesmo lembrar das vezes em que brincamos e conversamos e sorrio novamente. Sabe, eram tempos bons, tempos em que não pensávamos em nada e uma das coisas que minha irmã mais gostava de fazer era ficar em silêncio. Hoje deve fazer pouco mais de um ano que não fazemos mais isso, e todas as vezes que eu vou no parquinho eu me lembro que nós dois sentávamos numa barra de ferro e colocávamos os pés na barra de baixo e o vento era a única coisa que conseguíamos escutar. Ela me dizia para fechar os olhos e somente sentir a calmaria do universo, dizia também que com o tempo podíamos escutar o coração um do outro, mas como eu disse, foram bons tempos.
Desde que conheci o Arthur tenho tentado lutar comigo mesmo para permanecer no mesmo lugar. Meu aniversário de doze anos foi o pior que tive em toda a minha vida. Aprendi na igreja que a luta é contra a carne e o Espírito, e acho que tenho lutado isso, mas nem sei dizer quem está vencendo, nem quem alimento mais. Orar não serve para nada, já orei várias e várias vezes à Deus, e as coisas somente pioram. Tinha minhas dúvidas acerca da existência de Deus, pois cresci na igreja, e o mundo dito dentro dela, não era o mesmo executado fora dela. Mas agradeço ao Arthur por ter me amostrado como orar, e quem realmente era Deus. Acho que ele não sabe que me fez bem, que suas palavras serviam para me ensinar também, não somente as pessoas que desejávamos que assistisse nossos vídeos. Ele não sabia que eu sempre ficava prestando atenção no que falava.
Mas agora olhando para esse rosto branquelo, e seus dois olhos verdes, me faz refletir se vale a pena continuar acreditando no Deus que ele tanto falava, ou se era mentira como eu via na minha própria casa. Ainda não sei se vou até ele, ou se tento fugir daqui. Vivi pouco tempo com ele, mas esse tempo me fez ansiar pela vida muito mais que ansiei pela morte. Quem eu devo seguir? A morte que tem Vida, ou a vida que tem morte? Poderia viver morrendo, ou morrer vivendo? Ainda não sei.
No dia em que o conheci fiquei a tarde toda em casa brincando com meu irmão e minha mãe. A surra que meu meu irmão Gabriel levou no dia anterior, deixou uma grande mancha roxa em seu braço direito. Estávamos apenas calados deitado de barriga no chão empurrando alguns carrinhos. Minha mãe passava pela porta do nosso quarto e não fala nada, a sentia como um fantasma. Não entendia como ela fazia isso, como era capaz de fazer isso. Realmente não entendia, e por mais que orasse à Deus, não tinha respostas. Me perguntava que Deus era esse, que nunca responde.
"Está doendo muito?", perguntei ao Gabriel, percebendo que ele quase não mexia seu braço direito. Ele não falou nada, nem mesmo olhou para mim. Gabriel quase não tem mais falado em casa, no começo era com nossos pais, agora até mesmo comigo ele tem se esquivado. Fiquei o observando brincar até ouvir meu pai me chamar. Gabriel gemeu e enfiou o rosto no braço esquerdo. "Já vou", gritei me levantando. "Depois eu volto Biel".
"Onde está o seu irmão?", perguntou meu pai. Estávamos na cozinha e minha mãe estava varrendo calada. Eu apenas olhava fixo para frente, sem ter nada em foco, ela também agia assim.
"Está no quarto brincando comigo", respondi. Ele bagunçou meus cabelos com a mão e se dirigiu até o quarto, fui atrás dele. Quando chegamos lá, meu irmão ainda estava com o rosto enfiado no braço.
"Já fez o dever de casa Biel?", perguntou meu pai, mas ele não respondeu nada. Meu pai fez menção de entrar, quando respondi.
"Fez sim pai, fiz com ele mais cedo". Sabia que não era verdade e aprendera que a verdade não é uma coisa boa, mas não sabia como meu irmão estava se sentindo. Meu pai apenas balançou a cabeça e saiu dali, fui o guiando com o olhar. Entrei no quarto, fechei a porta e procurei a mochila do Biel para fazer seu dever de casa rapidamente sem meu pai e minha mãe verem. Quando acabei, deitei no chão e continuei brincando com meu irmão. Ele adorava brincar de carrinhos, seu preferido era um caminhão pipa com a parte traseira verde e a dianteira cinza. Sempre corria atrás de mim e me pedia para brincar, mas ultimamente tem brincado sozinho.
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Pequeno Arthur
RomanceUm somente queria viver e o outro apenas morrer. Talvez existam coisas maiores entre preto e branco, luz e trevas, 8 ou 80 e Arthur e Davi tentam descobrir isso, descobrir o valor da vida e da morte. À beira da morte, Arthur busca entender sobre ela...