1. Um ovo de galinha

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Eu preciso contar uma história antes que meu pó volte à terra. Sinto que não me restam muitos dias. O ponteiro do relógio tem passado depressa, e o calendário já se fez desnecessário depois da oitava década.

Não pense que este livro se trata das confissões de um velho enfadado, muito pelo contrário, é a história de Victor Scott, um garoto inglês que deixou uma bela lição de vida para todos nós. 

1. Um ovo de galinha 

Esta história começa em Londres, na época em que Victor Scott tinha apenas nove anos. Ele era o único filho de Thomas e Lucy, o casal mais improvável que já se viu. 

A família Scott morava numa pobre casinha conjugada em Notting Hill. Era possível ver as paredes descascadas e algum mofo no teto. Como não tinham cama, eles precisavam dormir nos colchões velhos que o senhor Thomas havia ganho dos pais antes de se casar.

Não pense que o bairro era tão charmoso quanto hoje. Na década de 1950, imigrantes negros do Caribe ocuparam a região com toda a sorte de preconceito e miséria. Pela primeira vez, Londres vivenciava conflitos raciais.

Teremos tempo para falar sobre o coração da Inglaterra, mas, por ora, isso já nos basta.

— Vá, meu bem! Tome a moeda e nos traga o maior ovo de galinha que conseguir!

Era assim que a senhora Lucy acordava o filho todos os dias: um beijo e um pedido sincero para que voltasse com um generoso café da manhã. Um ovo de galinha para três pessoas. Era o que o dinheiro dava.

Antes que comece a sentir pena de Thomas, que de fato era digno de compaixão, devo dizer que o homem trabalhava na grande fábrica de sabão da cidade. Não ganhava lá essas coisas todas, mas gastava quase tudo com bebidas e amigos. Nunca passaram fome, é verdade, mas a sensação de vazio na barriga era frequente. Quando o estômago não estava roncando, Victor Scott pensava estar doente.

— Dona Eva, bom dia! Vim comprar o nosso café! - disse com inocência.

— Café?! Pobre menino... - resmungou a velha baixinho – Diga a sua mãe que me levaram outra galinha esta manhã. As que me restam estão muito velhas, acho que logo, logo não teremos mais ovos. Vá! Entre! Veja se consegue achar algum...

Aquela senhora era quase tão pobre quanto os Scott, mas ainda podia  dar-se ao luxo de vender alguns ovos diariamente, isso quando não apareciam os ladrõezinhos pela madrugada.

O terreno era bastante abandonado, cheio de entulhos e buracos causados pela chuva. Além disso, o mato chegava ao tornozelo, então dona Eva, que era velha e de pouca saúde, não conseguia entrar e procurar os ovos que vendia. Victor fazia isso por ela: agachava e enterrava as mãos no que todos chamavam de galinheiro.

Por causa do matagal, mal conseguia ver o que apalpava, então, por várias vezes, voltava para casa com as mãos toda picadas de formiga e com o terrível cheiro de titica. No entanto, o menino inglês nunca reclamou. 

A senhora Lucy o recebia com um beijo na testa e o mandava tomar banho. Enquanto isso, ela cozinhava o ovo e cortava em três fatias. A parte do meio, que é mais saborosa por causa da gema, sempre ia para o senhor Thomas, que alegava ser o chefe da casa e precisava de certos privilégios.

No almoço, a jovem senhora fazia um caldo de legume barato, e acredite, era o prato preferido de Victor. No jantar, nada além de um pão seco para cada.

Certa vez, ao voltar do galinheiro, o menino pensava no quanto seria maravilhoso crescer. Com essa distração, tropeçou numa pedra e o ovo se quebrou. Agora não tinha nem o dinheiro nem a comida.

Quando chegou em casa, o pai, que parecia ter amanhecido já embriagado, bateu muito nele e o chamou de vagabundo, porque nem para trazer um ovo de galinha servia

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Quando chegou em casa, o pai, que parecia ter amanhecido já embriagado, bateu muito nele e o chamou de vagabundo, porque nem para trazer um ovo de galinha servia. Apesar de todo o choro, o cinto do senhor Thomas não doía tanto quanto a fome.

Lucy já não tinha mais força para defender o filho, que apanhava por qualquer motivo. Todas as vezes que tentava, também sofria agressão.  Nem sequer parecia gente. Era pálida, melancólica e de olheiras profundas. Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que ela era conhecida como senhorita White, uma das mais belas e nobres moças de Londres.

Como foi parar ali? Maldita seja a paixão! 

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As aventuras de Victor Scott (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora