O COMEÇO

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Eu não lembro bem como foi minha infância até os 4 anos de idade. Só sei o que me contam. Acho que por ter sido tão traumático, minha mente meio que criou uma barreira, bloqueou todas as memórias que me trazia dor. Foi como auto defesa.

Obrigada subconsciente.

Pelo que me contaram, desde o meu nascimento, vivi em meio à dramas. 
Meus pais foram pais muito cedo. Minha mãe com 15, meu pai com 18. O mais velho não era nem que de longe flor que se cheirasse. Ele era conhecido na "quebrada" pelas coisas que aprontava e pela fama de machão, que pega todas as mulheres, etc...
Nasci em uma família completamente desestruturada. Minha mãe, por minha avó não aceitá-la gravida, teve que ir morar com meu pai na casa de sua mãe...

Imagina o drama.

Nasci em um local cercado de brigas e mais brigas. Minha família por parte do meu pai, odiava minha mãe. Na verdade, eles odiavam todas. Pra elas, ninguém era boa o suficiente pro meu pai. 
Tudo começou a piorar quando minha irmã nasceu. Minha irmã estava com 3 meses de vida quando minha mãe pegou meu pai na cama com outra mulher.

Até demorou pra isso acontecer. 

Nesse momento, ela se viu sem saída. Não sabia onde iria morar. Foi aí que sua mãe a acolheu de volta. Ela nunca deixaria minha mãe sem uma casa, com duas crianças no colo. 

Nesse meio tempo da separação, minha mãe retomou sua amizade com o rapaz que mais tarde seria meu padastro. Tudo poderia dar certo, se esse rapaz não fosse o "inimigo" declarado do meu pai. 

Mas nem sempre foi assim...

Eles até tinham uma amizade na época da escola, mas tudo desandou quando meu pai saiu com a namorada desse rapaz. Desde então, eles se estranhavam onde se encontrassem. 
Quando descobriu que minha mãe estava saindo com o Carl, meu pai não aceitou de jeito nenhum. Onde já se viu, seu inimigo com a sua mulher e suas filhas? Foi aí que ele decidiu intervir. 
Em uma noite, ele armou uma emboscada para o Carl, mas as coisas acabou saindo do controle e ele teve que ir pra outro estado.
Desde então, o Carl cuidou de mim e da minha irmã. Ele foi um pai maravilhoso pra nós. E mais tarde, para meu irmão. Seu filho, Leís. 
Não tivemos mais noticias do meu pai. Ele simplesmente sumiu. Óbvio que sua família sabia onde ele estava, porém  nunca nos contou. 
Então o Carl cuidou de mim e da minha irmã como se fossemos dele. Filhas de sangue. Ele foi o melhor pai que eu poderia ter. 
O homem que lia histórias para dormimos tranquilos, que nos acalmava quando tínhamos pesadelos, que assustava o bicho papão debaixo da cama e dos armários, que dizia que trovão era apenas "macacos brincando no telhado" só pra gente não ter medo, que nos acordava para irmos a escola, que assistia desenhos quando chegávamos da aula, que tirou nossos primeiros dentinhos e colocou o mesmo debaixo do travesseiro com uma nota para pensarmos que foi a fada do dente que deixou... Ele nos amou e nos cuidou como se fossemos sangue.

Mas ele teve que partir.

Minha mãe separou-se dele e como na época apareceu uma proposta de emprego em outro estado, não pensou duas vezes e simplesmente foi. Deixando eu e meus irmãos sob o cuidado da minha mãe.
Eu não tinha mais meu pai comigo. Não tinha mais meu super herói presente... E aquilo doeu como o inferno. 

Com 7 anos de vida, já sabia o que era a dor da perda.

Pior que perder alguém pra morte, é perder pra vida.

XxX...XxX

-Eu não quero ir, Mainha - No meu rosto, medo e lágrimas
Minha mãe arrumava minhas coisas pra que eu pudesse ir morar com minha avó, mãe do meu pai biológico. Acontece que essa mulher é horrível. Ela me obrigava a fazer coisas que eu não queria.
Como: ir a igreja e usar saias e blusas longas. Eu odiava usar as roupas que ela me obrigava usar. As vezes invejava minha irmã por nunca atender seus mandados. Queria ser destemida como ela, tão nova, era.
Minha mãe não estava com condições de cuidar de nós, então ela achou que seria melhor se eu e minha irmã fossemos morar com nossa Avó Iona. Essa que ultimamente tem feito de tudo pra ficar com a gente.
Quando meu pai Carl foi embora, ela viu a oportunidade perfeita para nos pegar pra ela. Com os dizeres que foi meu pai Edu que pediu pra ela o fazer. Eu não lembro dele (fisicamente falando) só o vejo por foto. Ele agora mora no Rio de Janeiro. Não sei onde fica, mas sei que é longe. Muito longe.

- Você tem que ir, Mairí. Calça a chinela e anda. Sua avó está esperando.
Depois que meu pai Carl foi embora, as coisas pesaram pra minha avó materna. Ela não queria que fossemos, sabia como a Iona era, mas com apenas um salário, não dava pra gente se sustentar, e, como ela trabalhava praticamente todo o dia, não dava pra ela cuidar de nós. Mas ela nos deixou ir com a promessa que todo final de semana iria nos buscar pessoalmente, para que a gente pudesse aproveitar o final de semana todinho. Aquilo me alegrou inexplicávelmente. Eu amava minha avó Mary. Ela era a melhor. 

- Você promete me buscar no final de semana se mãe tiver muito cansada, Mainha? - Perguntei chorosa.

- Sim, prometo. Agora vai.

E eu fui pra casa que mais tarde, seria meu inferno. 
Nessa casa estranha (Não tão estranha assim), eu iria experimentar vários tipos de dores diferentes. Uma casa que era pra me manter segura e amada, iria ser o pior lugar de se viver.

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⏰ Última atualização: Aug 12, 2020 ⏰

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