Histórias

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Só mais uma vez. Xeque-mate.

Olhou as horas, ainda é cedo. Sentiu um aperto na garganta, droga, isso de novo. Respirou fundo e fitou o monitor com o jogo de xadrez aberto, indicando a terceira vitória consecutiva da máquina.

Os pensamentos ruins ainda martelavam sua cabeça, eles vagavam por cada mísero espaço de infinitésimo cósmico dentro de si. Sim, talvez essa fosse a palavra certa para descrever, minha mente é um infinitésimo de problemas.

Olhou dessa vez o teto, o pequeno incomodo na sua garganta ainda não se tinha cessado e agora contribuía em alimentar as mágoas do rapaz.

Nem todo o ar do mundo era suficiente para tirar-lhe o vazio do peito com um respirar fundo.

Uma cidade vazia, com bairros vazios e casas vazias; onde, por sua vez, habitavam pessoas cujo interior se resumia o vazio.

Bem, talvez nem tão vazias assim.

Já era o décimo capítulo que lia naquele dia, nada parecia ser mais importante que aquela simples história. Droga, o livro terminou, e agora?

- Venha jantar, a comida está pronta. - Ouviu, pela terceira vez, a voz familiar invadir seu quarto e seus pensamentos. Não, eu não quero comer.

Perdera as contas de quantas vezes já tinha se sentido enjoado apenas de pensar em comida, isso é tão cansativo. Agora, dando a primeira garfada no prato antes de chegar em seu quarto novamente, sentiu seu estomago se contorcer quando engoliu o alimento. Essa sensação é tão ruim que eu poderia morrer.

Tendo terminado de comer, se viu no dilema do que fazer em seguida.

Olhou o monitor, uma página do livro cujo lera mais cedo estava aberta, no final do capítulo. Eu poderia nunca sair desse quarto. Tudo que aconteceu contribuiu para que, agora, ele não tivesse mais motivos para continuar vivendo. Ou, ao menos, não acompanhado.

Amargura, angústia, medo. Tudo isso percorria suas veias, seu DNA dizia que as coisas para ele deviam ser assim.

"Crises de fobia social, uma instável condição psicológica. Paranoias. Sinto muito senhora, não posso ajudar seu filho, é genética."

Mas o seu DNA não dizia porque ele preferia livros à viver. De onde vem esse interesse nas palavras?

Tudo bem, ele ainda podia ser feliz apenas lendo as aventuras e emoções de outras pessoas. É mais confortável assim. Mesmo que estivesse abrindo mão de muitas coisas, as histórias valiam à pena.

Era sempre assim, quando olhava para alguém, automaticamente sua mente viajava e, imaginava por tudo que aquela pessoa passou para estar ali. É uma história preciosa, mesmo que oculta. Tudo tem uma história. Desde a folha seca que caiu da árvore por causa do vento gelado, até a capa de um livro. Sim, a capa de um livro também tem uma história.

E de vez em quando, ele sentia inveja de tudo.

Ele sentia inveja por não ser bom o bastante para escrever uma história boa. Mas uma história boa não é aquela que tem fama. É aquela que te faz sentir algo, seja isso bom ou ruim. É aquela que te ensina.

Nem todas as histórias de amor podem fazer um coração alegre esquecer-se da dor; nem todas as histórias de angústia podem fazer um coração furioso esquecer-se do amor. Mas ele ainda sim, insistia.

Naquele momento, ele era incapaz, pequeno e invisível para o mundo e para si mesmo. Era como se não vivesse, apenas sobrevivesse. As histórias, porém, faziam-no sentir-se mais vivo. Pois tudo que tentara viver até ali, era um fracasso.

Está tudo bem, agora ele poderia se dedicar totalmente às histórias. Não a sua, que contava um amor não correspondido e a perda da única amizade. Não a sua, que contava como encarou as sete faces da tristeza e deixou-se ser possuído por uma amarga e ténebre solidão. Não a sua, que contava a infelicidade de sua familia consigo e sua morte desonrosa no final. Mas sim, aquelas cujo o amor era visível, claro e brilhante. Mesmo que criasse ilusões, e elas o machucassem muito mais do que faziam bem, ele ainda continuava lendo-as.

Afinal, pior do que viver, é sobreviver vendo as pessoas à sua volta vivendo.

Tomou 20 segundos de coragem.

Terminou a sua história.

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