Nojento gigante de olhos verdes. Sim, o homem tinha olhos verdes e recebia muitas cartas de mulheres apaixonadas que queriam se casar com ele. Elas não viam a merda, não sentiam o cheiro podre que causava ânsia e fazia curvar as linhas do rosto. Nessa hora ela costumava se lembrar de que estava sonhando e metia o dedo na boceta. Isso fazia o homem parar por um instante espantado com a audácia da mulher em querer mexer no próprio corpo. Ela se tocava e gostava disso, gostava de seu corpo, de sua nudez e de poder estar como bem quisesse. Aquele animal arfante não era bem-querido ali. Não por ela que sabia sentir o cheiro da merda. De dentro da boceta, a mulher puxava um canivete e, nua, caminhava de cabeça erguida até a criatura de merda e seu pau arrombador. Metia a navalha do canivete bem no escroto, e da pele aberta não saia sangue, saía cocô. Merda líquida, diarreia. Fezes endurecidas caíam em blocos junto com a merda em estado líquido. Não havia nada que salvasse aquilo, nem uma gota de sangue, era tudo um monte de cocô. A mulher sempre acordava suando. Precisava correr para o banheiro e cuspir o gosto ruim que vinha na boca. Cuspia repetidas vezes, tomava banho e passava perfume.
Junto com as palavras que saíam de sua boca, o perfume caía manchando a calçada coberta de neve. Às vezes passavam-se horas sem que ninguém caminhasse por ali. Desse modo a neve podia fazer uma nova camada, tentar cobrir as gotas de sangue antigas e o homem que se deitava ali doente. Como se fosse possível esconder o sangue. Como se não fosse o próprio sangue passado, gerador do futuro. Camada após camada, o homem é recolhido na terra. Tudo isso que queria se apagar vive no homem sozinho. No 'regurgita dor' de palavras, naquele homem quase cego que está deitado a resistir na neve sem ninguém. Ser ninguém permite que o homem recolha restos. Permite acolher tudo aquilo que é muito difícil de dizer. Camada após camada, havia neve na calçada. Neve machada de sangue.
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Neve na calçada
Misterio / SuspensoO pesadelo sempre começava do mesmo jeito: ela estava nua escolhendo um vestido em frente a um grande espelho, quando sentia cheiro de merda. Percebia, então, que não estava sozinha. Pelo espelho via um homem enorme que a observava enquanto se mastu...