Sempre estarei

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 Solto o travesseiro com um resmungo quando o som do meu celular despertando preenche meus ouvidos. Esfrego os olhos e jogo o cobertor para o lado quando levanto. Encaro as velhas pantufas de coelhinho aos pés da cama, mas opto por meus chinelos, afinal não sou mais a antiga Laura e essa coisa nem deve mais caber nos meus pés.

 Olho meu reflexo no espelho do meu antigo quarto e sorrio, satisfeita por estar bem diferente da última vez em que estive em Horizonte Azul. Os traços de menina quase não existem mais, pois deram lugar à uma mulher madura e independente.

 Por ser filha única, meus pais decidiram manter tudo exatamente do jeito que deixei quando me mudei para o Rio há três anos. Isso significa que o mural ao lado do armário ainda possui as mesmas fotos. Encaro cada uma delas, lembrando o momento em que foram tiradas.

 Na primeira foto, estou ao lado de Thaís, minha melhor amiga desde que aprendemos a falar, numa festa quando tínhamos quatorze anos. Ou seja, nove anos atrás. Nessa época nunca imaginaríamos que nossa amizade se resumiria a curtas ligações em datas especiais desde que ela se casou e foi morar no sul.

 Estão ali penduradas diversas fotografias da minha família, do meu cachorro Puppy, dos meus amigos dos tempos de escola, das férias... Porém a maioria delas tem como protagonista o Guilherme, meu ex-namorado. Repreendo-me mentalmente por não ter jogado todas elas na lata do lixo antes de ir embora, mas recordo que não consegui sequer olhar para aquelas lembranças quando terminamos, quanto mais me livrar delas.

 Ele foi o meu primeiro namorado e posso dizer que foi o único também. Não que eu não tenha ficado com outras pessoas desde que terminamos, mas estou falando de um namoro de verdade. É difícil manter esse tipo de relacionamento depois que você ficou com alguém desde que tinha quinze anos e, após cinco anos, tudo acabou porque a vida de ambos tomou um rumo completamente diferente do planejado.

 Sacudo a cabeça para afastar qualquer pensamento sobre esse garoto. O que passou só pode ficar em dois lugares: no passado e no museu. Por isso decido ignorar toda e qualquer coisa que me faça lembrar dele ou do nosso namoro a partir de agora, incluindo esse mural com nossos melhores momentos.

 Tomo um banho bem demorado e relaxante e desço para tomar café, afinal sinto uma fome louca pela manhã. Entro na cozinha e encontro boa parte da família reunida.

– Bom dia, meu amor. Sua panqueca doce já está na mesa. – Mamãe me cumprimenta com um abraço apertado.

 Pode parecer muito americanizado, mas eu amo panquecas doces, especialmente quando tem creme de avelã e morango dentro.

– Laura continua comendo besteiras no café? – Tia Eunice encara meu prato indignada.

– Deixe a menina, mulher! – Tio Joca, marido dela, defende.

– Você tem muita sorte por poder comer o que quiser. – O filho mais novo deles cochicha para mim e eu fico com um pouco de pena da criança.

– Acho que vamos precisar de mais panetone e pão para rabanada esse ano. – Meu pai faz anotações em um pedaço de papel.

– Teremos visita? – Olho para ele com curiosidade.

– Alguns vizinhos participarão da ceia conosco.

– Falando nisso, nem pense em me deixar sozinha nessa cozinha hoje, Jorge! – Mamãe lance um olhar intimidador para ele. – Temos muito trabalho pela frente. Filha, você pode comprar o que falta lá no centro?

– Claro, mãe – concordo e coloco o último pedaço de panqueca na boca.

– Leve sua prima com você. Não demorem. – Ela me entrega a lista que papai fez e o dinheiro.

Sempre Estarei - Um Conto de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora