Os sons dos passos contra o chão metálico vinham como pregos sendo martelados em sua cabeça latejante. Na solidão do pequeno quarto-escritório ela revirou os olhos e frisou os lábios em desgosto, seguido de um suspiro irritado. Preparou-se para o inevitável: três, dois, um...
- Capitã Joengardt, três membros da tripulação da Adoria desejam falar-lhe. - ela ouviu a voz perfeita e agradável da IA de sua própria nave, a velha UNA II.
- Da Adoria? Hmmm...- a capitã resmungou enquanto massageava as têmporas - Diga-lhes...diga-lhes que tenho...tenho documentação a lidar no momento, entrarei em contato assim que for possí...
- Desculpe-me senhora, pude detectar em meus sensores uma vibração exaltada em suas vozes. Além do símbolo de Zancard em sua mensagem de contato.
Joengardt franziu as sobrancelhas. Zancard? Era o símbolo usado entre as frotas humanas daquele lado da galáxia para indicar caráter de urgência entre as comunicações.
Relutante, ela se levantou do banco em frente à janela virtual, de onde admirava toda a magnitude de Beydet, o planeta sólido, verde e muito bem habitado que sua nave orbitava. Era lá onde tudo havia terminado vinte anos antes. Onde tudo havia começado, vinte anos antes...
- Eu os encontrarei na sala de reuniões em alguns instantes. - disse, espantando algumas lembranças indesejadas de sua mente.
- Entendido. Eu os deixarei cientes. - a IA respondeu e a deixou sozinha outra vez.
Trocou a roupa casual de má vontade. Ajeitou os cabelos curtos e grisalhos. Quase nada havia de feminino neles ou em quaisquer de suas vestimentas usuais. Mas também não via motivo para tais preocupações. Havia muito tempo que perdera o gosto por aquelas bobagens.
Caminhou carrancuda em direção à sala de reuniões da nave.
- Capitã Joengardt, senhora! - ela ouviu os visitantes cumprimentaram-na com um gesto respeitoso quando ela adentrou o recinto.
- Tentente Daynante, Tenente Fross e ninguém menos que Capitão Kullarg. A que devo a visita à UNA II? - ela cumprimentou com o tom mais amigável que pode manejar no momento, um misto de sorriso forçado e uma ironia quase indisfarçável na voz.
Olhares duros e lábios lambidos. Algo os deixava nervosos. Ela sabia ler aquelas expressões estúpidas de sua própria espécie bem demais.
Foi Kullarg, seu velho conhecido, quem tomou a palavra. Obviamente.
- Senhora, há alguns dias detectamos um sinal codificado, bastante fraco, mas que deixou-nos muito intrigados.
- Um sinal codificado? Certo. Deve haver algo de muito especial nele, já que os recebemos o tempo todo. - ela deu um sorrisinho.
- Sim, senhora. Porém esse...bem...- o Capitão trocou outro olhar incerto com seus companheiros, antes de continuar - Descobrimos tratar-se de um sinal de uma das naves de batalha da frota Hrogar.
- Espere...- uma pontada de dor na têmpora anuviou sua mente por um segundo. Ela fechou os olhos por um instante - Da frota Hrogar? Nós os derrotamos há duas décadas, confiscamos todas as suas naves de batalha e as destruímos. Elas não existem mais! O que é isso? Vão dizer que uma delas conseguiu escapar do pente fino? - ela quase riu - Aliás...por que afinal estão contactando-me a respeito disso? Beydet está logo ali. Uma viagem de alguns minutos os colocaria frente a frente com as autoridades mais competentes para uma anormalidade dessas.
- Nós já fizemos isso.
- O que?
O Capitão respirou fundo. Ela odiava quando ele fazia isso. Aquele era o sinal de que ela certamente não iria gostar do que ele diria a seguir.
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O Portal
Science Fiction~Conto finalista da seletiva da Agência Wolfpack, do escritor André Vianco ~ Havia uma coisa que Joengardt odiava: sua própria raça. Vinte anos antes, ela fora obrigada a lutar pela a humanidade pelo domínio de um magnânimo objeto encontrado em mei...