OLÍVIA

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8 horas antes da morte

Raras as vezes quando bebo, mesmo sendo um taça como foi horas atrás, eu durmo bem. Meu sono dura no máximo duas ou três horas até eu levantar exausta, como se um trator tivesse passado encima de mim.

O sol ainda estava parcialmente escondido atrás das montanhas quando acordei, a cabeça doendo, contestando a parca luz que entrava pela janela, o efeito inebriante do vinho ainda circulando pelas minhas veias, manipulando meus sentidos. O relógio marcando 6h45 AM.

Por um momento sentada na cama, o lençol embolado ao redor, encarei o espelho na porta do guarda-roupa, minha imagem cansada e abatida refletindo as bolsas escuras debaixo dos olhos alertando que minhas noites de sono não eram suficientes e que precisava dormir mais do que quatro horas por dia como vinha ocorrendo ultimamente, até que, em vez de ficar analisando o quão acabada estava, decidi sair da cama e sentar na varanda.

O sol agora a pino, céu claro, os pássaros voando sobre minha cabeça. Nos velhos tempos, dias assim eram um convite para caminharmos pela floresta atrás da casa, colhendo as frutas jogadas pelo chão e ao final da tarde voltar para casa suados, indo direto para banho, juntos; dois corpos compartilhando o mesmo espaço sob o chuveiro.

Memórias dolorosas de um passado que parece mais distante do realmente é, lembranças tão longínquas quanto um continente do outro lado do pacífico.

É um fato que de alguns meses para cá Miguel tem se tornado uma grande incógnita ambulante, uma fenda, um buraco negro sugando todas as minhas energias e vontades de continuar casada; era praticamente como se ele clamasse pela separação!

Ultimamente, eu também tenho me isolado, quase sem me dar conta disso. Saio apenas para fazer compras — homens bebem para afogar os problemas, nós fazemos compras ou comemos, ou fazemos os dois —, para aula de zumba e para o psicólogo. Às vezes visito Renata, minha irmã, quando ela sente sufocada demais para estar sozinha debaixo do mesmo teto que os dois filhos e o esposo, me convidando para jogar conversa fora, reclamando como o trabalho do marido faz com a família se mude constantemente e não criem raizes — quando isso acontecer novamente, vou ficar ainda mais ociosa, com menos um lugar para ir.

Não tenho ânimo para fazer outras coisas. Minha vida era bem agitada antes de Miguel chegar com seu sorriso maroto, e toda aquela lábia mulherenga, sempre compreensivo e atencioso, praticamente lendo meus pensamentos, — era como se habitasse um tipo de espírito feminino dentro dele — mas agora é um total marasmo.

Me sinto como uma máquina robusta, que sabe todo o seu potencial, entretanto fica jogada num canto escuro, enferrujando as engrenagens, parando aos poucos.

O que será que eu fiz de errado? É falta de sexo? Céus, estou farta de não saber o que estou fazendo, é como se tivesse uma bolha no meu peito, se expandindo ao ponto de me rasgar de dentro para fora! Meu desejo é ver Ricardo e despejar todos esses problemas em cima do meu psicólogo, mas ele é homem, como vai me ajudar?

Com os olhos fechados, o calor e a luz do sol nas pálpebras, sinto que poderia estar em qualquer lugar, talvez na praia, nos Alpes Suíços, comendo um croissant em Paris, velejando pelo mar do Caribe, a quilômetros de distância da vida que levo.

Faremos uma linda casa na árvore — dissera Miguel na época em que tudo era mil maravilhas, me convencendo de que ali seria o melhor lugar para nossos filhos crescerem.

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