Capítulo 1

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Tem um ditado que diz que cada um escreve no lugar que bem entender, não tem? Bom, se não tem, acabei de inventá-lo. Não sou o tipo de pessoa que se preocupa em comprar cadernos ou diários para contar histórias, nem que se dá ao trabalho de ligar o computador. Prefiro escrever no pensamento. Deixo que a mente se encarregue de inventar as histórias e quem quiser ler que me leia pelos olhos.

Por que decidi começar a escrever uma história justo agora, enquanto passeio pelo shopping? Simples! Porque é véspera do Dia dos Namorados, as lojas estão mais lotadas que o metrô das seis e a Fernanda não para de tagarelar. Como ela é minha melhor amiga e não posso mandá-la se calar, finjo que a ouço e me perco na imaginação.

— Olívia...

— Arrã!

— Olívia. Eu tô falando com você!

Fiquei chateada: ela percebeu que eu não estava nem aí para o blá-blá-blá dela. Mas não é culpa minha, essa dispersão. É algo natural que tenho desde criança, ainda mais se a fala alheia só tiver meia dúzia de palavras que valem a pena serem ouvidas. Enfim, o melhor a fazer em situações assim é olhar para ela em silêncio e esperar que ela repita a pergunta. Isso sempre funciona.

— Eu perguntei se você não acha aquele cachecol lindo.

Claro! Tão lindo quanto seu penteado de dona de casa que juntou todas as moedinhas de cinco centavos num cofrinho e decidiu fazer permanente no fim do ano com uma cabeleireira que fez curso por telefone.

— Claro! Tão lindo quanto seu novo penteado.

Capacidade de ser sucinta no diálogo. Penso muito, falo pouco. Na maioria das vezes, isso é bom porque evita ofensas, mas há momentos em que acho que valeria a pena dizer tudo o que me passa pela cabeça. Quem não ficasse magoado com certeza riria e, quem sabe dessa maneira, eu me tornaria popular.

O ponto principal é que sequer vi o cachecol. Era tanta gente passando na frente da vitrina que o único acessório similar que vi foi a manta vermelha que uma madaminha amarrou no pescoço e fez de echarpe.

— Já decidiu o que vai comprar para o Júlio?

Eu estava num lugar tão distante, perdida em minha dimensão pessoal, que havia esquecido completamente que a volta no shopping era para encontrar um presente para o Júlio. Havia esquecido até que estava no shopping.

Ah, só para deixar claro, o Júlio não é meu namorado. Na verdade, nem ficante ele é. É só um amigo que, por ser solteiro como eu, inventou de dar abraços e presentes no Dia dos Namorados para suprir a carência. Ano passado, ele me deu um travesseiro. Gostei dessa ideia de como comemorar o Dia dos Namorados mesmo não estando comprometido. E este ano, vivendo meu 14.º Doze de Junho, decidi colocá-la em prática.

Pernas, parem!

Tenho mania de elaborar as ordens que envio às partes do corpo. Isso evita que elas tenham vontade própria. É uma mania bem esquisita, eu assumo, mas sou cheia de manias esquisitas: leio dicionários, ouço músicas em espanhol e escrevo no pensamento.

Já estacionada, como se eu fosse um carro — Ferrari ou Fusca, isso depende de quem me vê — busquei uma resposta no íntimo do meu hemisfério cerebral esquerdo. Outro pensamento cruzou o caminho: era a primeira vez que usava a palavra cerebral para adjetivar hemisfério. A frase, entretanto, pulou esse obstáculo e conseguiu se soltar da minha boca.

— Não!

Foi uma frase sonoramente vazia, mas cheia de características. Exclamativa, negativa, monossílaba, tônica, curta, grossa, sem verbo, sem sujeito, sem graça. O complemento sairia logo em seguida, de forma interrogativa — O que você me sugere? — e como num pedido de ajuda, mas a Nanda fez o favor de me deixar engolir as palavras.

Beijos de chocolate brancoOnde histórias criam vida. Descubra agora