Capítulo 3

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A primeira vez que falei com o Júlio foi no desfile cívico de comemoração ao aniversário da cidade. Até então, ele era apenas o garoto cabeludo que estudava à tarde. Algumas vezes, eu o via chegar à escola, mas ele era só um qualquer no meio de tantos quaisquer.

Na época, Nanda namorava o primo dele, que estudava na sala ao lado da nossa e, por serem considerados o casal mais bonito da escola, estavam na frente e carregavam a faixa "We are the world. We are the children".

O Júlio ficou logo atrás e para que seu par não lhe roubasse o brilho dos cachos dourados, me escolheram. Não posso negar que o contraste esquelética-desengonçada versus loiro-sedução ficou bem bacana na fotografia. Nós carregamos a faixa "Imagine all the people living life in peace".

(Para que não fiquem dúvidas, o tema do desfile não era língua inglesa nem precisava abordar temas musicais clássicos. A inscrição nas faixas explicava unicamente que a professora de Arte era fã incondicional de Beatles e Michael Jackson, então encontrava uma forma de encaixá-los em tudo o que fazia).

O diálogo ficou entre os três: Loiro-Sedução, Primo do Loiro-Sedução e Miss Você Sabe, girando em torno de situações que não vivi, e eu opinava com o silêncio. Meu isolamento, no entanto, foi quebrado com um riso após o comentário de Júlio:

— Caramba, Olívia! Como você é tagarela.

Foi uma fala irônica e não muito simpática, mas que me fez perceber que eu queria muito continuar ouvindo suas ironias antipáticas.

Ele voltou a conversar com os outros dois e eu voltei a me calar. Silêncio externo, porque uma canção latina tomou conta do meu interior e, até o fim do desfile, meu coração dançou o chá-chá-chá. Na primeira vez em que falei com o Júlio, não disse uma única palavra.

Nosso segundo encontro foi na viagem que a escola fez ao Camping Jandaia. Nesse dia, não havia Nanda, que teve outro compromisso, você sabe, nem namorado/primo para puxar papo com ele, e toda a atenção ficou voltada a mim. Embora houvesse várias outras pessoas no ônibus, fui eu que lhe pareci carismática. Provavelmente, tivesse um silêncio carismático.

Na ida, ficamos nos olhando. Apenas olhando. 6h30 era muito cedo para conversar, até mesmo sobre como era cedo. No camping, cada um tomou sua direção e nem nos esbarramos. Somente na volta é que, sentados lado a lado, conseguimos cruzar algumas palavras.

— Que frio!

— Que calor!

A oposição nos fez trocar de posição: eu me sentei no corredor, que estava mais quente, e ele se sentou na janela, onde o vento fazia o maior fuzuê.

— Costuma sentir calor sempre?

— Pior que sinto. E se não sentisse, assim mesmo usaria bermuda. Gosto do meu joelho.

Minha pergunta, ou a revelação de sua paixão pelo próprio joelho, ajudou a continuar o papo.

— E você sempre sente frio?

— Urrum. O que é bom, já que sou viciada em blusas de frio.

— Já foi para Jacutinga?

Então, da feira de malhas de Jacutinga até as geleiras da Groenlândia, passeamos o mundo real e o imaginário em nosso diálogo que só recebeu o ponto final no ponto de ônibus.

Outras viagens vieram, principalmente as viagens na maionese. Depois de seis meses, quando ele já tinha até pedido transferência para a minha sala, o Dia dos Namorados chegou, e ele me deu um travesseiro.

Beijos de chocolate brancoOnde histórias criam vida. Descubra agora