Capítulo 1 | Do something

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Três anos depois...


Mesmo depois de três anos, Liz ainda está cravejada na minha vida. Não que eu queira esquecer tudo o que vivemos. Obviamente não quero, mas tenho que admitir que apreciaria mais se ela não morasse mais no meu psicológico, porém é o que geralmente acontece, ela sempre aparece nos meus pensamentos como um fantasma,  sempre com o intuito de atormentar o meu equilíbrio psicológico.

Tal como eu previa, a minha vida sem Liz ficou... Como é que eu hei-de explicar? Eu não sei explicar... Eu simplesmente não tenho vida. Viver por obrigação não é vida, pois não? Viver infeliz não é viver. Eu limito-me a continuar a "viver" afogado em trabalho.  Limito-me a "viver" no automático, sem muito entusiasmo. Antes eu ficava animado com poucas coisas, só chegar a casa já era motivo de alegria, porque eu sabia que iria ver Liz, iria poder falar com ela, abraçá-la... Após a sua morte, eu virei uma sombra estranha, obscura e deformada cuja máxima animação é dormir abraçado às roupas dela. E mesmo ainda que o cheiro dela já tenha abandonado por completo todo o apartamento, eu ainda consigo sentir a sua presença.

Eu frequentei vários grupos de apoio mas nenhum deles me ajudou verdadeiramente. A saudade não diminuía. A dor não diminuía. Aumentavam. De dia para dia. Cada vez mais. E eu sentia-me sufocado. Eu mal podia caminhar calmamente na rua para espairecer. Se eu, por acaso, visse uma criança, ficava estático, perdido nos meus pensamentos e numa imagem pouco concreta de como possivelmente seria o meu filho ou a minha filha. Por vezes, os pais das crianças lançavam-me um olhar de desprezo e de desconfiança como se eu cogitasse raptar a criança, como se eu fosse um maluco perturbado. Talvez eu seja... Não a ponto de raptar uma criança nem nada do género. Só era um perturbado inofensivo, tal como me chamavam no escritório "Anderson, O Perturbado". Isso soava-me um pouco bizarro, bastante parecido com "Carrie, A Estranha". 

Ainda que eu nunca tenha sido o tipo de pessoa muito social que conhece toda a gente e toda a gente a conhece, eu sempre me dei bem com o pessoal do escritório. Eu era divertido e costumava descontrair o ambiente tenso que geralmente nos atormentava, devido aos prazos que tínhamos que cumprir e nos casos que nos eram atirados para as nossas mãos à última da hora; todavia após tudo o que aconteceu, digamos que o meu ótimo senso de humor morreu e eu afastei todos aqueles a quem outrora eu havia considerado como amigos. Eu queria o meu espaço e como bons amigos que eram, eles não desrespeitaram os meus limites.

A minha rotina é bastante monótona, devo confessar. Acordo às oito da manhã, começo a trabalhar às nove. Tenho uma hora de almoço, entre o meio dia e a uma da tarde. Saio do emprego às sete da tarde. E todos os dias este ciclo vicioso se repete. Os feriados e os fins-de-semana servem para eu reler alguns casos e, quando não tenho nada para fazer, deito-me durante o dia todo e só me levanto no dia seguinte. Aos sábados de manhã, a empregada vem arrumar a casa, portanto não há absolutamente nada que me tire da minha entediante rotina.

Pelo menos era isso que eu pensava, mas parece que alguém me queria contrariar neste tempestuoso domingo de janeiro. Ouço o telemóvel tocar novamente. Já é a décima terceira vez que aquele maldito aparelho tocava. Reviro-me na cama, com o intuito de ignorar mais uma vez aquele barulho perturbador e irritante. Ele continua a tocar. Aperto a almofada contra os meus ouvidos. Mas não há meio de ignorar o som estridente do telemóvel. 

Ao fim de cerca de cinco minutos, quando finalmente entendo que se quero voltar a dormir terei que atender,  levanto-me da cama, aborrecido,  e pressiono o ecrã, após ver de quem se tratava. Não vou ser hipócrita ao ponto de mentir que não ponderei desligar na cara do meu irmão mais velho, William. Will para os mais próximos. Não faço a mínima ideia do porquê da sua inesperada chamada, mas não queria atendê-la. Talvez tenha acontecido algo grave... 

DO OUTRO LADO DO CÉUOnde histórias criam vida. Descubra agora