Prólogo

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Já é a quinquagésima vez que encaro a rosa vermelha que seguro na minha mão direita. Jamais uma flor me pareceu tão cruel e detestável. Não a flor em si, mas sim o seu significado. 

Muito relutantemente, continuo a caminhar sem pressa alguma em direção ao que penso ser o fim. O nosso fim. A consciência ainda não me atingiu. Tudo o que faço é realizado no automático porque a alegria que eu possuía esvaiu-se por completo assim que recebi aquela terrível notícia, a qual ainda não consegui assimilar.

Ia fazer dois anos no próximo mês que juramos amar-nos, porém parece que foi ontem. "Até que a morte nos separe", a tão famosa frase. Creio que nem a morte é capaz de nos separar. Liz jamais sairá da minha alma e do meu coração. 

Foi tudo tão repentino. Ainda de manhã Liz estava tão animada pela primeira ecografia que seria feita ao nosso bebé, fruto do nosso amor e, de repente, em questão de horas, ela estava estatelada no meio da rua, a lutar pela vida. Não só pela sua. Pela do nosso filho também. E, em apenas alguns minutos, tornou-se somente num corpo frio, sem vida, perante a minha incapacidade de nada fazer. Apesar das dez chamadas para o 112, nenhuma delas os fez se apressarem. Cerca de um quarto de hora após o meu primeiro telefonema chegaram, todavia a alma de Liz já tinha abandonado o seu corpo.

A vida realmente adora desafiar-nos, testar-nos, levar-nos ao limite. Pena que ela ainda não percebeu que eu não gosto de jogar a preços tão elevados.

A Liz não era o meu limite. O meu filho muito menos. Eles eram a minha vida. O bebé poderia ainda não ter nascido, mas eu já o amava incondicionalmente, mais do que a mim mesmo. Eu passei dois meses agarrado à esperança de que faltavam sete meses para eu conhecer aquele ser que eu mesmo sem conhecer já tanto amava. Faltavam sete meses para eu poder compará-lo à Liz, para ver como os seus olhinhos eram azuis do tom da mãe e que possuía sedosos fios loiros como os de Liz. Eventualmente o meu bebé poderia ter semelhanças comigo mas eu preferia acreditar que ele seria inteiramente igual à mãe. Um mini Liz ou uma mini Liz.

Foram expectativas demais para um desfecho tão tenebroso. Expectativas magoam. E eu tinha muitas.

Por isso eu não sei o que será de mim a partir de agora. Sem os nossos planos. Sem as nossas loucuras. Sem ter uma companheira disposta a atirar papel higiénico para o quintal do vizinho. Sem pintar a casa com as mãos. Sem desarrumar tudo. Sem o carinho dela. Sem o cheiro dela. Sem ela... E sem o nosso bebé. 

A minha cabeça está cheia de pensamentos incessantes, porém assim que me aproximo dou-me conta das pessoas que me olham com um olhar de pena. Eu odeio esse olhar.

Cumprimento os meus pais e os meus irmãos assim como a minha cunhada. A minha mãe insiste em perguntar-me se estou bem. Pergunta patética, tendo em conta as condições na qual é feita. Assinto somente para tranquilizar a minha mãe, contudo acho que ela tem a noção de que estou a mentir, pois lança-me um olhar pesaroso e abraça-me pela vigésima vez só  nestes últimos três minutos, não que isso me conforte muito. Nada trará a Liz de volta, pois não? Então não adiantam abraços, nem pêsames, nem lamentos, nem merda nenhuma. Nenhum abraço será como o dela. Nenhum abraço a trará para mim. Nenhum abraço servirá para eu saber como seria o abraço do meu filhote ou da minha filhota.

Dou alguns passos em direção aos pais de Liz. O pai dela abraça-me desajeitadamente e, quando o faz eu sinto que preferia não o ter abraçado, parece que um peso sentimental desabou sobre mim. A mãe de Liz também me abraça e ficamos ali, num triste silêncio melancólico até que um vulto corre até mim e salta para os meus braços. É Viollett, a irmã mais nova da Liz. O que ela está a fazer no funeral? Ela só tem cinco anos!

Ela agarra-me, chorando copiosamente, o que me faz derramar ainda mais lágrimas.

- Poque é que ela mogueu, Jojo? Poquê? - sussurra, chorando ao meu ouvido. As palavras dela abalam-me. Ela é só uma criança inocente, não precisava passar por isto. E pior que não ter resposta para esta pergunta, só mesmo o facto da voz dela ser bastante semelhante à de Liz e ela utilizar o mesmo apelido pelo qual a Liz me tratava.

DO OUTRO LADO DO CÉUOnde histórias criam vida. Descubra agora