[Sugestão de música: The neighbourhood - Daddy Issues]
19 de fevereiro, 2016
Enquanto sentia a brisa agradável de fim de tarde colidir contra o seu rosto, Leandro folheava tranquilamente as páginas de sua mais nova obsessão, Oliver Twist, um romance escrito por Charles Dickens, que retratava as aventuras e desventuras de um jovem órfão residente de um miserável orfanato britânico. Definitivamente, a leitura era a maior paixão do rapaz de cabelos claros. Todos os dias, o jovem reservava uma parcela de seu tempo para desfrutar do bom e velho hábito de ler um livro.
Perdido em seus devaneios, Leandro não percebeu quando um casal de namorados sentou ao seu lado, em busca de conseguir um pouco da sombra convidativa que a árvore de Ipê proporcionava aos estudantes do colégio.
O casal trocava carícias sinceras e conversava sobre assuntos banais. Leandro ainda não havia se dado conta da presença dos companheiros, até que uma voz masculina fez com que sua atenção se desviasse de seu livro.
- Você sabe que pode ir até a minha casa Gabriel, meus pais não têm nada contra o nosso relacionamento. - Dizia o jovem de boa aparência enquanto segurava a mão de seu parceiro. - E de qualquer forma, mesmo que eles tivessem qualquer problema com isso, nada me impediria de te levar para conhecer a minha casa. Afinal, um dia ela será nossa também. - Concluiu o rapaz, deixando um singelo beijo na palma da mão de seu amado.
O simples gesto foi suficiente para fazer com que uma sensação perturbadora crescesse dentro de Leandro. Em um movimento rápido, o rapaz se levantou da posição confortável em que se encontrava e pôs-se a discutir com o casal.
- Ei! O que vocês pensam que estão fazendo? - Perguntou visivelmente irritado. - Aqui não é lugar para esse tipo de coisa. Guardem isso para dentro de quatro paredes!
O jovem casal se entreolhou de forma assustada, definitivamente eles não esperavam uma reação desse nível de um rapaz como Leandro, que era conhecido por todo o colégio por sua inteligência e por seu talento nos esportes.
- Calma cara! Nós não fizemos nada de proibido. Ele só deu um beijo na minha mão! - Se manifestou pela primeira vez o outro garoto.
- Mas qual é a necessidade de fazer isso em público? - Perguntou Leandro incrédulo. - Vocês deveriam respeitar o meu espaço pessoal! É por isso que não tem como tolerar pessoas como vocês... - Leandro não pôde terminar sua frase, pois foi interrompido por Gabriel, que também havia se levantando para se colocar em frente ao seu namorado.
- Pessoas como nós? O que você quer dizer com isso? - Questionou Gabriel, visivelmente irritado com o rumo que a discussão estava tomando. - E por acaso há algo de errado conosco?
- Quer saber? Podem continuar com essa nojeira de vocês. - Disse Leandro enquanto dava as costas para o casal. - Eu não vou perder meu tempo com gays nervosos.
E cuspindo a última frase, o jovem começou a andar a passos pesados em busca de seu dormitório. Ele não entendia como atos tão baixos como aqueles eram permitidos em um colégio, mas definitivamente o rapaz não estava disposto a mais discussões.
Chegando à porta de seu quarto, o rapaz esticou a mão para girar a maçaneta, mas teve sua ação interrompida pelo celular que começou a vibrar no bolso de sua calça, indicando que ele estava recebendo uma ligação.
- Alô? - Atendeu o garoto, enquanto encostava-se à parede do corredor.
Uma voz retumbante pôde ser ouvida pelos alto-falantes do smartphone de última geração.
- Leandro... Filho? Como você está? Eu acabei de chegar de viagem e te liguei para saber como andam os treinos da equipe de futebol. Você sabe o quanto eu preso pelo seu bom rendimento no time, não é mesmo? - Falava sem parar a voz um tanto quanto desagradável.
- Olá, papai. Eu estou bem, e os treinos estão ótimos como sempre. - O rapaz jamais ousaria dizer que odiava e amaldiçoava com todas as suas forças a equipe de futebol do colégio. - Mês que vem começaremos a disputar os regionais... Quando eu tiver a data certa dos jogos lhe avisarei, assim o senhor poderá vir assistir. Se quiser, é claro...
- Ótimo! Brilhante! - Comemorava extasiado o patriarca do outro lado da linha. - Eu não garanto que poderei ir prestigiá-lo jogar, estou muito ocupado com o trabalho ultimamente. Mas fico feliz em saber que você está se saindo bem por aí, meu garoto! Agora terei que desligar, sinto muito... Tentarei te ligar semana que vem novamente. Abraços e não se esqueça de tudo que lhe ensinei!
- Certo papai. Eu só queria pedir sobre... - O garoto foi interrompido pelo bipe incessante emitido pelo celular, sinalizando que a chamada havia sido finalizada.
- Ah... Ótimo! - Exclamou o garoto desanimado. Tudo que ele queria era saber um pouco sobre sua mãe. Desde que o semestre havia começado, ainda não tivera a oportunidade de se comunicar com a doce senhora.
Deixando a ideia de lado, o rapaz se encaminhou para a cantina do colégio, na esperança de saciar a sua fome.
Enquanto caminhava pelos corredores, a frase dita pelo seu pai ecoava insistentemente em sua cabeça.
''Não se esqueça de tudo que lhe ensinei''
E definitivamente, Leandro nunca seria capaz de esquecer.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Inside
Non-FictionFogo, gelo e água. Qual a relação entre estes elementos? Diante à incomum proposta feita por uma professora em um dia até então comum de aula, Maria, Aline e Leandro viram-se obrigados a descobrir a resposta para a questão. Inside conta a história...