[Sugestão de música - Breezeblocks - alt-J]
19 de fevereiro, 2016
Os olhares de toda a classe se encontravam vidrados em uma única pessoa. Burburinhos percorriam todos os cantos da sala, todos estes especulando o mesmo acontecimento.
Após presenciar o surto raivoso de Aline, Maria buscava entender quais de suas palavras haviam provocado tamanha fúria na menina mais velha. Por Deus! Ela só estava tentando ser gentil!
Teria sido o tom de sua voz? Ou talvez a maneira com que articulou a frase? Ou quem sabe Aline tivesse se irritado com o jeito de Malu, afinal esse era um problema recorrente na vida da garota.
Depois de pensar e repensar em todas as possibilidades, Malu concluiu que não chegaria a lugar nenhum por conta própria. A única forma de entender Aline era conversando e buscando entender o que passava dentro daquela máquina incansável a qual recebia o nome de cérebro.
Recolhendo seus materiais da mesa, Maria se pôs a caminhar para fora da sala de aula. Nem ela mesma entendia o porquê, mas por algum motivo a jovem menina sentia uma crescente afeição por Aline. Desde muito jovem, Malu fora ensinada a ajudar e pensar nas outras pessoas, como se qualquer um fosse membro íntimo de sua família. Talvez essa fosse a explicação para o fato de a mais jovem se preocupar tanto com a opinião e o bem-estar de Aline. Afinal, o que mais poderia ser?
Ao se aproximar da porta do dormitório 108, Malu torceu para encontrar a colega de quarto mais tranquila. Sabe-se lá Deus o que poderia se esperar de uma Aline irritada e sozinha em um quarto com uma garota franzina como Maria.
Reunindo toda a sua força de vontade, Malu girou vagarosamente a maçaneta da porta, dando de cara com uma cena que jamais esperou ver. Ao menos não em uma escola...
- Aline! Meu Deus, o que aconteceu com você?! - Gritou enquanto corria para o lado da garota que se encontrava desmaiada no chão, ao lado de uma garrafa vazia de uísque e de uma cartela de medicamentos. - Por favor, fala comigo! Caramba, não faz nem 10 minutos que você correu de mim, como você pôde fazer isso consigo mesma? - Perguntava insistentemente enquanto tentava reanimar a morena que estava em seu colo com leves batidas no rosto.
Após um longo suspiro, Aline se levantou das pernas da mais jovem em um movimento rápido e desesperado. A garota olhava de um lado para o outro, sem entender como havia chegado naquele ponto.
- O que você está fazendo aqui? - Disse rispidamente quando percebeu quem era a responsável por acordá-la. - Não acha que já me irritou o suficiente por hoje? O que você quer mais?
Malu se levantou do chão onde se encontrava, recolhendo a cartela vazia de medicamentos e lendo atentamente a embalagem.
- Aspirinas? É sério Aline? - Perguntou enquanto olhava estática para a mais velha. - Você sabe que isso poderia te causar problemas não é? Onde você estava com a cabeça quando tomou isso?
- Até quando você vai continuar se metendo na minha vida, Luiza? - Questionou Aline grosseiramente. - Você é apenas a garota que divide o dormitório comigo. Isso não significa que você tem carta branca para se intrometer em assuntos que não dizem respeito à sua vida.
Aline deu as costas à garota, pronta para sair do cômodo e buscar um pouco de paz longe de Maria, quando foi interrompida pela mão da garota que a segurou fortemente pelo pulso, obrigando-a a olhar para a menor.
- Será que você pode parar de fugir de mim? Eu estou preocupada com você! Qual a sua dificuldade de entender isso? - Rebateu Maria, sentindo as lágrimas se formarem nos seus olhos. - Por que você precisa ser sempre tão ríspida assim? Eu só estou tentando me aproximar de você, não é esse o propósito? Mas tudo que você faz é me afastar cada vez mais e mais... Você poderia pelo menos tentar, Aline? Você poderia ao menos tentar permitir que alguém derrube essa muralha que você parece criar ao seu redor?
A essa altura, as lágrimas fluíam livremente pelo rosto da mais jovem que nunca conseguiu ser eficaz em controlar as suas emoções. Não era a sua vontade, mas ela sentia que acabaria revelando que sempre buscou pela amizade de Aline. Mas tudo parecia tão inútil. Inútil a ponto de o seu interesse nunca ter sido notado pela garota, mesmo após um ano de tentativas de aproximação falhas.
- Maria... Do que você está falando? - Perguntou Aline, sentindo um leve aperto no peito por ver a menina chorando por sua causa. - Eu não sabia que você se importava dessa forma comigo. Eu...
Aline foi interrompida abruptamente pela mais jovem, que soltou seu pulso apenas para poder enlaçá-la em seus braços.
- Olha... Eu não gosto de te ver dessa forma. Você não deve se lembrar, mas desde que fizemos dupla em um trabalho no último ano eu venho tentando me aproximar. - Explicou Malu enquanto tentava controlar as lágrimas. - Eu sei que todo mundo te vê como um monstro, mas eu não. Eu sei que aí dentro existe um lindo e nobre coração - Disse apontando para o peito de Aline. - Então, por favor, me deixe te ajudar. Eu sei que eu pareço ser patética e inútil. Mas me dê uma chance. Eu não espero nada em troca, tudo que eu quero é ver um sorriso verdadeiro no seu rosto.
Aquelas últimas palavras pareceram atingir Aline como nunca antes. Naquele momento, ela sentiu que talvez, apenas talvez, ela pudesse se abrir com alguém sem ser ignorada e deixada de lado.
- Tudo bem. Fica calma, Luiza. - Disse Aline enquanto afagava os cabelos da menor. - Eu... Eu posso tentar conversar com você. Mas você precisa me prometer uma coisa. - Disse, ainda sem confiança de que estivesse fazendo a coisa certa.
Ao ouvir aquilo, Maria olhou surpresa para os olhos da outra garota. Estaria ela sonhando? É claro que aquelas palavras eram tudo que ela mais queria escutar naquele momento, mas tudo aquilo parecia tão... Anormal.
- Eu prometo. Qualquer coisa. O que precisa que eu faça por você? - Perguntou com um olhar esperançoso para a mais velha.
- Você precisa prometer que não vai me deixar de lado, mesmo depois de ouvir tudo que tenho para lhe falar. - Declarou Aline enquanto se afastava para encarar atentamente a menor. - Eu nunca conversei sobre meus problemas com ninguém, mas eu acho que não posso suportar sozinha mais. Eu preciso de ajuda, e, por algum motivo que desconheço e que não sou capaz de explicar, quando olho para você eu vejo uma luz que não enxergo em outras pessoas. Então, por favor, prometa-me que quando eu abrir meu coração, você ficará do meu lado para ajudar-me a costurá-lo.
Maria não pode evitar a sua surpresa com o pedido da menina. Ela nunca imaginara algo tão puro e sensível vindo de Aline. Dentro de seu peito, havia um misto de alegria e confusão. Por que Aline achava que ela poderia abandoná-la? O que havia de tão doloroso guardado nas memórias daquela garota?
Antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, Malu já balançava inconscientemente a sua cabeça em sinal de confirmação.
- Eu prometo não te deixar. Eu vou permanecer do seu lado, e te ajudarei a curar todos os machucados que já foram feitos em você. - Falou Maria com toda a pureza que havia em seu ser. - Não se preocupe. Não há nada no mundo que não possa ser curado com amor e cuidado. - Concluiu enquanto abria os braços, convidando a mais velha para se aconchegar em seu corpo.
E, diferentemente de todas as outras vezes, Aline aceitou.
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Inside
NonfiksiFogo, gelo e água. Qual a relação entre estes elementos? Diante à incomum proposta feita por uma professora em um dia até então comum de aula, Maria, Aline e Leandro viram-se obrigados a descobrir a resposta para a questão. Inside conta a história...