*Cap.2*(revisado)

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Acordo subitamente, ainda desorientado pelo ambiente desconhecido do quarto na fazenda. O cheiro de madeira e o zumbido constante dos mosquitos me envolvem, contrastando vividamente com a poluição e o burburinho incessante de São Paulo. Olho para o antigo relógio sobre a estante: mal passava das cinco da manhã. A luz tênue que começava a se filtrar pelas frestas das janelas revelava o silêncio sereno da madrugada, interrompido apenas pelos ruídos distantes dos animais na fazenda.

A razão pela qual meus pais me trouxeram para cá era simples, na visão deles: uma preocupação com quem eu estava me envolvendo. Lucas, quinze anos mais velho e meu ex-professor do penúltimo ano do colegial, representava um desvio das normas esperadas. Seus modos e escolhas não eram bem-vistos pelo meu pai, que via nele uma influência negativa e uma ameaça ao meu futuro.

Eu o usava, consciente disso. Lucas era meu passaporte para uma liberdade que eu ansiava, mas não necessariamente o amava da forma como ele desejava. Era conveniente tê-lo, com sua aura de rebeldia e experiência, enquanto eu me esquivava das expectativas de casa. Seu magnetismo era uma válvula de escape para minha própria vida.

Lucas não era apenas um professor. Ele era o fascínio pela liberdade, a atração pelo proibido. Seus gestos, sua voz, seu toque... tudo nele me levava para um território desconhecido, um mundo onde eu podia ser mais do que os olhos dos outros permitiam.

Vir para a fazenda dos avós, abandonar a agitação de São Paulo, era um ato de exílio pessoal, uma tentativa de separar-me daquilo que meus pais consideravam inadequado.

A luz irritante do nascer do sol se infiltrava pelas cortinas, pintando um padrão dourado nas paredes do meu quarto. Depois de uma noite de insônia, eu apenas havia rodado pela cama até finalmente decidir levantar às seis da manhã. A transição abrupta de São Paulo para a fazenda dos meus avós ainda parecia surreal.

Vesti-me rapidamente, sentindo o peso da mudança em cada movimento, e desci as escadas até a cozinha. Ao entrar na sala de jantar, fui recebido pelo aroma tentador de café fresco e pão quente. Minha avó já estava na cozinha, preparando o café da manhã, enquanto meu avô lia o jornal à mesa. Era terrível vê-los tão em paz em um lugar como este, longe de quase tudo da vida humana, envolvidos em suas rotinas matinais como se o tempo aqui passasse mais devagar.

Minha avó virou-se ao me ouvir entrar. Seu sorriso acolhedor contrastava com a ansiedade que eu sentia. — Bom dia, Nícolas. Dormiu bem?

Forcei um sorriso e respondi: — Mais ou menos, vó. Acho que estou me ajustando.

Meu avô abaixou o jornal e me cumprimentou com um aceno. — Bom dia, rapaz. Junte-se a nós para o café da manhã. Sente-se.

Sentei-me à mesa, ainda tentando me acostumar com a calma que pairava no ar. Enquanto minha avó servia o café, meu olhar vagava pela paisagem rural que se estendia além da janela da cozinha. Era um contraste gritante com a agitação constante de São Paulo, onde cada momento era preenchido com o pulsar da cidade e o que eu mais precisava, sumir por São Paulo.

— Está tudo bem, Nícolas?— minha avó perguntou, notando minha distração.

— Tudo bem, vó,— respondi rapidamente, forçando-me a focar no presente. — Só me acostumando com tudo isso.

Meus pais haviam ido embora há três dias, deixando um vazio estranho em meu peito. A despedida foi breve e tensa, como se estivéssemos todos tentando evitar as emoções conflitantes que pairavam no ar. Eles insistiram que esta mudança seria para o meu próprio bem, um novo começo longe das influências que consideravam "prejudiciais".

Ainda me recordava do último abraço de minha mãe, suas palavras de encorajamento misturadas com um leve tom de preocupação. Meu pai, por sua vez, tentou mascarar a apreensão com conselhos práticos sobre como me comportar na fazenda, como se estivesse planejando uma operação militar.

Querido Peão (REVISADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora