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Janeiro de 6049

Campos abandonados nos arredores da Cidade-reino Sodoma

— É rápido, pode deixar o motor ligado e me esperar — o romano abotoou a gola do sobretudo vermelho que parecia uma capa. Apontou uma série de telhados iluminados em meio à mata de bambu além da rodovia. — Só vou lá naquela mansão e depois volto para Sodoma com você. — Uma estrada de cascalho subia pelo terreno à margem da via, perdendo-se nas sombras do barranco na primeira curva. — Encosta aqui nos cascalhos mesmo, o trânsito está tranquilo.

— Filho... espera aí, não desce aqui — o motorista apertou o volante, os nós inchados dos dedos expandiram-se, mostrando o reumatismo avançado — não dá para te esperar. Você pediu só uma caroninha. Tenho um pedido de grãos para carregar... Grãos da Pégasus! Sabe como eles são, se eu atrasar... Tchau! Perco meu emprego. Depois tenho que buscar meus netos na zona oeste de Gomorra.

O passageiro, sentado ao lado do motorista, não desceu. Ficou calado, fitando os telhados.

— Bom — o velho emendou —, não sei o que você poderia querer para esses lados... Amigo, pelos Santos do Clero, não quero me envolver e não estou por sua con... Ugh! — um golpe. Rápido. Só deu tempo do velho arregalar os olhos.

A mão do romano já retornava para fora da janela do passageiro quando o "sua con... con... con..." ainda era ouvido. Com os dedos semiflexionados, a mão fora até o pescoço do velho e, com um maço de pele e veias, retornou. Um gesto quase instantâneo. Foi e voltou. O assassino espremeu o pedaço de garganta. Jogou a massa na lateral da pista, em meio à grama baixa das trincas do asfalto.

Pneus entrelaçados por arame enferrujado acumulavam-se no acostamento, junto a um amontoado de latas, garrafas e restos de alimentos. No ermo da rodovia marginal à Cidade-reino Sodoma, via-se a presença incansável do consumo apresentando ao mundo as intenções do homem sendo o que é em essência. Sujo. Passa-se o tempo, e ele persiste nos erros.

Movimentando os dedos, o romano abriu e fechou a mão, a mente distante, dispersa em memórias. Recostou-se ao assento, deixando o corpo relaxar no banco. O olhar nos telhados da mansão apontando junto com os colmos do amontoado de bambus. Fachos de luzes coloridas saíam da casa e riscavam as nuvens. Mesmo de longe, o guerreiro pôde ver os canhões luminosos sobre os telhados, girando, indo e vindo; brinquedos caros para as festas dos endinheirados. Uma música alta vibrava, arrastando batidas mecânicas até a rodovia.

— Ainda gastam dinheiro com coisas inúteis e constroem casas longe de tudo... realmente pouca coisa mudou no mundo.

O romano se virou para dentro, quando um estertor angustiado saiu do tronco do velho, no momento em que o ar se juntou ao sangue pelo rasgo na traqueia, liberando o ruído de borbulhas num canal fino. Depois, o corpo apresentou espasmos. Cavitação é o nome da formação de bolhas em um líquido submetido a mudanças bruscas de pressão num tubo; mas o assassino não era adepto à hidráulica, o interesse dele era outro. Biologia. Em especial, o pigmento vermelho que lhe manchava os dedos.

Inclinou o corpo em direção à janela do carona, pôs a mão para fora. O cheiro do estofado molhado, a naftalina no colete puído do morto, a comida espalhada no painel e o estrume no assoalho acentuaram o asco por estar ali, numa Toyota arruinada, de lataria verde-oliva amassada. Estendeu mais o antebraço pousado no vidro meio aberto, a mão sentindo o frio, enquanto o líquido pingava das unhas. Crostas escuras logo começariam a se formar.

O campeão matava por instinto, contudo, não gostava de se sujar; as mãos eram fáceis de limpar, mas o restante do corpo, e principalmente o sobretudo, não. Era quase impossível, mas tentava não se respingar quando sua rotina incluía sair para matar. Pretendia manter um certo grau de civilidade, porém, quando se sujava, não era bom para quem o visse daquela forma, e pior para quem lhe causasse o desconforto.

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⏰ Última atualização: Jan 11, 2018 ⏰

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