24. Livro 2 - Primeira Parte - 1. Sob o artu

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Sobre o relvado, via-se uma pequena casa encravada entre um artu de
tronco quadriculado e uma frondosa árvore de fruta-pão. Ela não era maior que
um galinheiro, mas, naquele clima de eterno verão, era suficiente para duas
pessoas. Construída de bambus, com um duplo teto de folhas de areca
entrançada, era tão bem feita que podiam tomá-la por uma obra-prima de hábeis
operários.
A árvore de pão era estéril; às vezes esses vegetais cessam de produzir, por
uma misteriosa razão conhecida apenas da natureza. Agora estava verde, mas
quando sofria sua mudança anual, as grandes folhas festonadas tomavam
incríveis colorações de ouro, de âmbar e de bronze.
Além do artu havia uma pequena clareira, que tinham cuidadosamente
capinado para plantarem taros.
Diante da porta estendia-se o relvado e, sem a natureza tropical da
vegetação, julgar-se-ia a gente nalgum parque inglês.
À direita, a vista se perdia na mata, onde se ostentava toda a gama dos
verdes e onde as moitas de cacaueiros selvagens fulgiam como bagas de
azevinho.
A habitação tinha uma entrada sem porta, e a folhagem da árvore do pão
fornecia-lhe um segundo teto, precioso na estação das chuvas. Interiormente, era
assaz desnuda. Ervas secas e odorantes tapizavam o chão. Dois panos de vela
enrolavam-se de cada lado da entrada e, sobre um grosseiro aparador fixo à
parede, enfileiravam-se gamelas feitas de cascas de coco. Evidentemente, os
proprietários só a habitavam de noite, para se protegerem do sereno.
Perto da entrada, estava uma moça sentada sobre a relva, e os raios do sol
do meio-dia banhavam-lhe os pés nus. Parecia ter quinze ou dezesseis anos; uma
pequena saia de pano listado descia-lhe até os joelhos, cobrindo parte da sua
nudez; um fio de liana elástica lhe prendia os cabelos negros e uma flor vermelha,
colocada como uma caneta de guarda-livros, ornava a sua orelha direita.
Pequenas sar-das salpicavam seu rosto encantador, sobretudo em torno dos
olhos, que eram de um gris azulado, profundo e tranqüilo. Ela se apoiava sobre o
cotovelo direito, enquanto por perto dela passeava um pássaro de plumagem
azul, de bico vermelho e olhos brilhantes e curiosos.
Era Emelina Lestrange. Ela dava de comer ao pássaro o conteúdo de uma
casca de coco. Dick recolhera aquele lindo volátil no bosque, pequeno ainda,
abandonado de sua mãe e quase morto de fome. Há dois anos que eles o criavam e o bicho fazia parte da família. De noite, ele se empoleirava sobre o teto, nunca
se afastava muito e aparecia regularmente à hora das refeições.
Emelina estendeu-lhe a mão e o delicioso animal trepou para o seu dedo,
mergulhando a cabeça em seus ombros e lançando o grito que formava todo o
seu vocabulário e ao qual devia o seu nome.
- Koko! - indagou ela - onde está Dick?
O pássaro virou o pescoço para todos os lados, como para procurar o seu
dono. Depois Emelina, conservando-o sempre sobre o seu dedo, como uma jóia
de esmalte que quisesse admirar um pouco mais de longe, tornou a deitar-se
caprichosamente sobre a relva, rindo e conversando com o pássaro. Formavam
assim um belo quadro, à sombra cavernosa da árvore do pão.
Era difícil compreender que evolução havia transformado a simples e
pequena Emelina naquela mulher de tão harmoniosas formas, e tão
maravilhosamente bela. A transformação estética era sobretudo notável depois
dos últimos seis meses...

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