Golden carpet

Prólogo

Algumas situações são simplesmente absurdas. Não faz absolutamente nenhum sentido para alguém com a intimidade que eu tenho no mundo da moda estar numa crise real para a escolha do figurino, a poucos dias do Golden Globe 2018.

A surrealidade começou quando o ícone Karl Lagerfeld, estilista da maison Chanel, procurou a minha assessoria avisando sobre a primeira prova do meu modelo exclusivo. Bem, nunca houve qualquer solicitação, minha ou da minha equipe, para fazer um vestido. Sempre fui uma das suas modelos preferidas, durante vários anos. Mas nada que justifique a confecção de uma peça exclusiva, principalmente após a polêmica dele com a Meryl Streep no Oscar. Um Chanel exclusivo custa, bem, cerca de 150 mil dólares. Será que ele pretendia me usar para trazer os holofotes de volta para a Chanel? Completamente sem sentido, todos os red carpets importantes contaram com vestidos e cluth Chanel, ostentados por estrelas de primeira grandeza... Será que ele soube de alguma notícia de bastidor que indique que levo a estatueta para casa, esse ano? Tony e o resto da equipe têm arrancado os cabelos tentando alguma informação sobre o que está acontecendo, mas pelo andar da carruagem, só vou descobrir na visita marcada ao ateliê.

Com níveis incalculáveis de ansiedade, cheguei em Paris com todo meu staff a postos. Minha publicista foi minha única acompanhante, mandei parte da equipe para resolver os detalhes um Delpozo, em Madri e outra parte para Los Angeles, para avaliar a proposta de um Dior por empréstimo, articulado pela emissora . É melhor estar prevenida, já que não faço muita ideia do que pode acontecer na reunião que vai acontecer nos próximos minutos. Deus, ainda tenho que escolher os sapatos e jóias!

Esperando pacientemente, foi só quando terminei a segunda taça do Moet & Chandon Dom Perignon que me atentei que não avisei ao Sam sobre o mistério do vestido exclusivo. Engraçado, não sei dizer o que soa mais estranho: não ter contado um problema corriqueiro para o meu co-star ou estar estranhando não contar algo do meu dia a dia para ele. Os últimos dias, entre gravações e viagens para comemoração das Holiday's parties... Tenho sentido uma distância entre nós, que pareceu natural depois dele ter sido ignorado novamente pela academia e toda a minha agenda profissional ter sido direcionada para o Golden Globe. Assim que esgotar essa pauta poderei voltar a falar sem reservas com meu hubby. Preciso mandar pelo menos uma mensagem pra dizer que estou com saudades...

Perdida em devaneios, precisei de um chute nada discreto da minha acompanhante para avisar que Karl estava me esperando.

Depois dos cumprimentos e elogios de praxe, mais algumas taças do cristal esplêndido, iniciamos a conversa que interessava de fato.

_ Ma chérie, não sabe o quanto fiquei eufórico com a encomenda do príncipe! Tê-la como tela para minhas obras foi magnífico, mas poder criar algo específico que realce sua beleza exuberante.. Venha, ma petit princesse, preciso vê-lo no seu corpo.

_ Karl, que príncipe? Eu não...

_ Aqui, Sophie, Amelie, ajudem madame Balfe.

_ Karl, sobre o príncipe...

_ C'est magnifique, superbe  !

Fui literalmente atropelada na minha dúvida por mãos ágeis que me despiam enquanto outras me envolviam no mais incrível vestido que eu tive a oportunidade de ver, em todos os meus anos de passarela.

_ Vejo que consegui deixá-la sem palavras, Häschen. Essa vai ser a reação de absolutamente todos naquele tapete vermelho. A noite vai ser inteiramente sua, mein lieber.

_ Karl, não sei o que dizer...

_ Acertei suas medidas, é um privilégio costurar para alguém tão perfeita como você. Depois desse red carpet, você será, sem dúvida, a nova definição de elegância. Ah! Preto, claro, para apoiar a campanha do Times's up, manifestando contra esses abusos absurdos da academia, terrible. Atrevo-me a dizer que é a cor que mais valoriza a delicadeza dos seus traços. Se soubesse o privilégio de trabalhar sem pensar em mesquinharias como custos, tipo de material... Cristais Swarovski, diamantes negros, fios de prata... esse bordado é minha obra prima. Não existe preço para a arte e seu príncipe fez questão de me permitir toda a liberdade criativa. Vou conseguir terminar nos próximos dias, très magnifique.

_Karl – disse de forma incisiva, tocando seu braço para garantir toda a sua atenção – que príncipe é esse que você tanto fala, pelo amor de Deus! Não faço ideia do que está acontecendo.

_ Como assim, Caitriona? O príncipe herdeiro de Dubai, Hamdan bin Mohammed Al Maktoum, foi quem encomendou seu vestido. Entendi que ele era seu acompanhante na premiação...

_ Príncipe de Dubai? Mas...

E a memória veio num baque: a vários meses um pretenso fã, poeta, de origem árabe, vinha tentando contato com a minha assessoria, pedindo um encontro em virtude de uma doação substancial ao World Child Cancer, fora do prazo em que oferecemos um jantar de recompensa para a maior doação, mas cerca de 10 vezes o valor do primeiro colocado. No meio de tantos compromissos, não cobrei uma solução dessa questão ao meu staff e, pelo visto, o "fã" se articulou por conta própria para ser notado de forma conveniente.

_ Não tenho palavras para agradecer seu empenho, Karl, mas não sei se poderei aceitar um presente dessa magnitude de um desconhecido... Então, talvez eu possa comprá-lo...

_ Ma chérie, sem ofensas, tenho acompanhado seu sucesso estrondoso, mas esse tipo de trabalho é acessível apenas para magnatas... Ou a realeza. De uma chance e escute o que Hamdan tem a dizer, alguém disposto a gastar mais de meio milhão de dólares num vestido vale uma hora do seu tempo.

Tive que me controlar para não cuspir a bebida. Fuck 500 mil dólares!

_ Bem, acho que terminamos aqui, a peça estará disponível, como disse, em alguns dias. Nenhum ajuste, incroyable! Fantastique!

Saí como que flutuando do ateliê, se pelo champanhe ou pela imprevisibilidade da situação, não faço ideia. O vestido era perfeito, mas a história era surreal. Durante meu tempo de modelagem era muito comum playboys milionários das mais diversas nacionalidades cortejarem a mim e as meninas (os meninos também), mas dinheiro nunca me empolgou. Eventualmente sai com um e outro, muito mais pela carência ou saudade de casa do que qualquer outra coisa. Sem o deslumbre de jatos particulares ou castelos na Europa, apenas fins de semana despretensiosos em teatros, cafés, bares, restaurantes e boates, em Nova York ou Tóquio, Paris ou Dubai. Dubai...

A caminho do hotel, mal respondia a insistente cortesia do motorista tentando manter uma conversação. Deveria estar avaliando a situação, racional e friamente, mas tive um impulso. Paris, a meca da moda, um problema sem solução aparente...

_ Avenue Montaigne, s'il vous plaît.

Sam costuma fazer piadas sobre meus surtos consumistas, o que não tem qualquer relação com a realidade, trabalhei desde cedo e tenho noção do valor das coisas. Se ele tivesse ideia do que eu estava prestes a fazer, teria motivação para me provocar por meses...

Comecei com dois Christian Loboutin espetaculares, três Manolo Blahnik e um Jimmy Choo. Sem limites, agi com um impulso um tanto perverso... Uma ex-angel usando lingerie La Perla, a coleção do Jean Paul Gaultier, selvagem, provocante, ousada, sexy. Há tantos anos apenas Victoria Secret cobria a minha intimidade, me senti uma menina má "traindo" minha marca favorita, que me alçou ao estrelato. Depois desse impulso, voltei para o hotel completamente esgotada, um tanto bêbada e completamente confusa com tudo o que estava acontecendo.

Enquanto aguardava que preparassem meu banho, recebi um áudio histérico do Tony, avisando que eu tinha uma reserva no Le Meurice, para o jantar no dia seguinte, para conhecer o tal príncipe. Bem, minha equipe enfim estava trabalhando. Mais algumas horas e seria o fim do suspense.