1555 do 2° ciclo, Terras Livres.
Os pássaros negros voavam contra o vento forte, tentando achar resquícios de algum sinal vital sobre a terra, eles precisavam alimentar-se. Algumas nuvens densas aproximavam-se como um preludio de chuva forte enquanto cobriam as últimas estrelas no céu.
Após algumas horas de bate asas, o que acharam fora um pequeno amontoado de desgraças que entrelaçavam-se com os problemáticos humanos. As cinzas cobriam a pequena vila e apenas a luz do fogo que brandia das palhas dos telhados guiava-os para um lugar claro. O cheiro de carne e sangue atraía os seus olfatos, assim como o terror que aquele pedaço de terra estava vivendo naquele momento.
O primeiro corvo pousou sobre um corpo despido, pregado sobre um poste no meio de uma pequena praça principal. Seus braços estavam amarrados a cima de sua cabeça e, em seu tronco exposto às vísceras, braços de outras pessoas foram costurados para satisfazer um ritual de evocação de alguma entidade. O pássaro logo alimentou-se do banquete que os olhos assustados do homem morto se apresentavam e, por sequência, começou a cutucar seu crânio na tentativa de chegar à deliciosa massa cerebral.
Os outros dois pássaros pousaram sobre os outros corpos em volta do mártir e apreciaram a quantidade de barbaridade que ocorria naquele lugar. Sentindo o cheiro desvirtuado de corpos estraçalhados e podres. Ao ouvirem gritos vindos de uma pequena capela ao leste da praça, entenderam a causa de toda aquela carnificina. Olharam-se para certificar se estavam no lugar certo, para esperar a mais deliciosa carne ser exposta.
Um grupo de soldados, provavelmente homens que não se contentavam com a paz vigente, buscavam na vila um meio de saciar sua vontade de ser mais um pouco humano. Um saque digno de grandes exércitos fora posto em prática naquela noite, matando todas as essoas que resistissem de tal forma a incomoda-los. Os gritos que chegavam nos ouvidos dos corvos eram peculiares, gritos femininos, denunciavam o que acontecia dentro da capela.
Ao passar de alguns segundos, um dos saqueadores, vestido com uma capa especialmente amarela e limpa, abre as portas pesadas do templo, caminha alguns metros para frente, desata o nó de sua calça e mija sobre o terreno de terra batida, anunciando a vitória para si mesmo com uma risada baixa.
Ao perceber a presença dos corvos e dos seus olhares fixos e negros, acenou com a mão esquerda sobre a cabeça, segurando o pênis com a mão direita, na tentativa de exibir-se para a sua nova platéia. Seu olhar é desviado momentaneamente pela chegada de nuvens carregadas, avermelhadas, ao longe, anunciando a tempestade.
Após alguns minutos tentando fechar a calça e reorganizar sua armadura, o soldado, que aparentemente ostentava boa idade, andou em direção aos corvos, dando pequenos passos desajeitados pelo teor de álcool que carregava no sangue. O céu sobre sua cabeça já se fazia de total vermelho com alguns estrondos fervorosos dos trovões distantes.
O cenário avermelhado resignava-se como em uma lenda conhecida, na qual demonstrava o interesse da natureza, por meio dos céus, de aceitar a peleja como uma oferta. Ela agradecia o cultivo das vidas trazendo a chuva para a terra. Porém, as águas ainda não haviam de cair.
Assim que o homem caminhou até próximo dos pássaros, notou que eles não comportavam-se como corvos qualquer, eram calmos demais, e que, como ironia, caçoavam de sua existência olhando-o no fundo dos olhos. Ele, por sua vez, para enaltecer seu ego novamente, sacou, com dificuldade, sua espada e tentou espantar os três animais com golpes no ar.
Saiam daqui, seus imundos!
Os dois corvos que estavam no nível mais baixo, por precaução, voaram e pousaram nos ombros do homem amarrado no poste, que já estava com a cabeça levemente aberta pelo terceiro. Assim que o jovem soldado conseguira vencer a sua tormenta contra os pássaros, tentou guardar sua espada na bainha amarrada em sua cintura.