Capítulo Dois

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― Será que hoje posso ver a minha mãe? ― perguntei a Letícia numa manhã, com uma ponta de desânimo, quando me trouxe o café-da-manhã. Respondera-me com um simples “não sei”, mas sua expressão ficara séria diante de minha pergunta. Estranhei, mas esqueci. Letícia era dada essas ações estranhas.

Fazia quase uma semana que eu estava confinada naquele quarto. Não me deixavam caminhar pelo hospital. Eu me sentia ótima, não havia nada de mal em caminhar, nem que fosse pelos corredores. Mas o médico insistira em me deixar de molho ali naquela cama todos esses dias.

Até um dia em que resolvi seguir minhas próprias ordens e vontades. Foi numa madrugada, quando acordei assustada com um pesadelo que havia tido. Letícia dormia numa cama para acompanhantes ao lado da minha, como sempre. Vi ali então uma grande oportunidade para caminhar pelos corredores e quem sabe ir ver mamãe...

Esgueirei-me por baixo dos cobertores e pela força do hábito procurei minhas pantufas. Lembrei-me então que não estava em meu quarto, mas sim no hospital, onde nenhuma das minhas frescuras eram satisfeitas. Toquei meus pés no chão gélido do quarto e tomei cuidado para não fazer barulho algum. Quase esqueci o soro que teria de levar junto, já que para me livrar dele daria mais trabalho do que caminhar com o mesmo pelos corredores, e mesmo assim doeria pra caramba retirá-lo. E como sou desastrada e escandalosa, com certeza seria capaz de acordar a todos do hospital.

Sentia-me um pouco sonolenta, talvez fosse o tipo de medicamento que eles estavam me dando que me causava esse efeito. Bocejava a todo o momento. Que tipo de droga estavam me dando afinal?

Ri com minha tentativa tosca de fazer piada com algo sério.

Abri a porta do quarto lentamente, que rangeu um pouco quando passei por ela, o tecido raspou na porta fazendo um barulho meio estranho. Fechei-a com a mesma lentidão com que abri. Já fora do quarto, olhei os dois lados do enorme corredor e saí procurando pelo quarto de minha mãe. Seria uma longa madrugada pelo que pude perceber, já que eu não sabia onde era o quarto...

Fui me aventurando pelo corredor levando o soro pendurado no suporte em meu encalço, já que não podia livrar-me dele. Então me lembrei de que em cada porta existia uma ficha de acompanhamento do paciente. Olhei em cada porta que havia naquele corredor, nenhuma das primeiras seis portas eram aquela que eu procurava, a não ser pela sétima.

EVA ALMEIDA FURTADO

Posso dizer que quase surtei quando finalmente havia encontrado o quarto da minha mãe? Eu precisava vê-la, saber como estava. Saber qual era o estado dela. Deus, como eu estava feliz de tê-la encontrado naquele infinito de portas...

Girei a maçaneta e entrei no quarto de costas bem devagar, olhando o corredor com medo de ser pega. E se isso acontecesse, adeus visitinha para a mamãe. Fora de perigo (até que alguém entrasse para ver a paciente), fechei a porta e ao virar me deparei com o olhar de mamãe sobre mim. Ela parecia contente em me ver, eu podia sentir isso em seu olhar. Mesmo com toda aquela atadura cobrindo parcialmente seu lindo rosto, que agora ostentava pequenas cicatrizes e arranhões. Lágrimas brotaram dos meus olhos imediatamente.

Aproximei-me da cama, sentando na mesma. Foi difícil segurar as lágrimas ao ver minha mãe daquele jeito. Tão debilitada, dependente de aparelhos até mesmo para respirar.

Segurei o fôlego ao perceber o lamento silencioso em seu olhar. Sentia-me tão inútil por não fazer nada para ajudá-la naquele momento. Encostei seus dedos em meus lábios levemente, vendo algumas escoriações nos menos. Mamãe fechou os olhos e uma lágrima escorrera pelo canto de seus olhos. Aquilo doeu em meu coração. Talvez ela já soubesse sobre o meu pai ― não que a tivesse contado, mas pode ter ouvido alguém comentar.

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⏰ Última atualização: May 28, 2014 ⏰

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