por trás do muro

Bruno

É bem difícil resistir ao impulso de sair voando pela fresta da porta entreaberta da sala de aula às sete e quinze da manhã. Mas quando se é bolsista, e os seus pais trabalham para os donos do colégio, esse era um dos Luxos que eu não poderia me dar. Não que eu fosse contra a literatura, mas temos que concordar que é bem melhor ser submetido a lobotomia quando se trata de ouvir uma voz esganiçada por longos e tortuosos quarenta e cinco minutos. Como em todas as suas aulas a professora Adriana estava deixando o quadro completamente preenchido por explicações dignas de uma professora com doutorado, mas que pra mim, eram de uma inutilidade já que em momento algum da minha vida, me atreveria a ler pelo motivo que fosse.
Apenas metade dos trinta alunos que compunham a turma três mil e quatro estavam realmente prestando atenção na aula, o restante estava entretido mexendo em seus celulares, o que era terminantemente proíbido no Sistema Grupo de Ensino, e eu observava atentamente tudo isso.
A professora Adriana aparentava ter uns quarenta anos, alta e com cabelos loiros que balançavam conforme ela se movimentava ao escrever no quadro. As aulas até que eram legais, mas a sua voz me dava nos nervos, o que resultava em uma crise de enxaqueca quando chegava em casa.
Quando me voltei para o quadro na tentativa de ler o que estava escrito, um aviãozinho de papel havia sido colocado ao lado do meu estojo, provavelmente pelo Heitor, um filho de deputado que se sentava a minha frente. Coloquei em baixo da mesa para que pudesse ler, sem que a professora notasse. Nele apenas três frases estavam escritas, e tenho certeza que aquele aviãozinho já tinha sido passado para a turma inteira.

"Advinha quem ainda não chegou?
Isso mesmo, a filha do diretor.
Advinha quem nem suspensão levou?"

Eu ri daquilo, mas achei uma maldade, todos comentavam e pensavam que Melina não passava de uma menina rica e mimada, mas eu não achava aquilo, eu a conheci de verdade. Por mais que vivesse uma vida luxuosa, a Mel era tímida, não apreciava holofotes nem chamar atenção​. Nós até que fomos bem amigos até os oito anos, não existiam diferenças sociais entre nós dois. Eu ainda não era o filho da governanta e ela filha dos patrões dos meus pais. Ela simplesmente era a menina que preferia livros no lugar de brinquedos.