Antes mesmo de o táxi parar na porta do famoso restaurante no centro da cidade, Mateus já havia descido. Ele entregou o dinheiro ao taxista e saiu sem esperar o troco. Entrou apressado.
Sentada em uma mesa no meio do restaurante, a sua ex-namorada olhava mensagens no celular. Paula era uma mulher muito bonita: alta e magra. Por conta da beleza estonteante tentou carreira como modelo e chegou a participar de alguns desfiles importantes no país e foi capa de revistas famosas, mas, por conta de uma desnutrição que quase lhe custou a vida causada pela busca louca pelo corpo perfeito, abandonou a carreira.
Ela gostava de vestir roupas justas e curtas. Seus longos cabelos loiros muito bem cuidados e maquiagem impecável faziam com que toda a atenção se voltasse para ela quando andava pelas ruas, nas festas, onde estivesse... Há quem diga, mesmo os amigos mais íntimos que nunca a viram sem maquiagem. Dormia e acordava maquiada. Era assim.
Mateus e Paula formaram o casal que todos gostavam de ver: bonitos e bem sucedidos. Apesar de alguns comentários maldosos dos que sempre gostavam de lembrar da diferença raças. Cor da pele. Ele, negro. Ela, loira. Ele, advogado e ela, dona de uma famosa boutique da cidade.
Não ficaram juntos muito tempo. Menos de seis meses. Diziam que a família dela nunca aceitou o fato de a filha namorar um homem negro. Não pegava bem, a mãe dela comentou com uma amiga em uma festa. "Não quero um netinho mestiço, sabe. Destoa.", acrescentou.
Eles se conheceram numa das muitas festas badaladas da cidade que frequentavam e foi numa festa que tudo acabou, quando Paula o flagrou beijando outra mulher. Mesmo sabendo que aquela não era a primeira vez, ela resolveu dar um basta. Para a alegria das mulheres da cidade!
Mateus era muito cobiçado. Não só pela beleza física, já que era dono de um corpo perfeito, sorriso largo e rosto másculo, mas, também pela gorda conta bancária e o famoso e gigante escritório de advocacia em um dos bairros mais caros da cidade. Rico e bonito. Tudo o que muitas mulheres queriam. E Mateus gostava e sabia se aproveitar muito bem das suas qualidades!
Ele entrou no restaurante apressado, colocou a bolsa de couro em cima da mesa, puxou uma das cadeiras ao lado de Paula e sem ao menos cumprimentá-la foi falando:
- Eu realmente espero que seja urgente o que você tem para falar comigo. – puxou a manga do paletó cinza que vestia e olhou o relógio, conferindo as horas.
- Você sempre está correndo, Mateus. Quer que eu peça um suco para você? - Paula respondeu bebendo com o canudo vermelho, o suco que havia acabado de pedir.
- Não, eu tenho pressa. Tenho um almoço marcado com alguns clientes daqui 15 minutos...
- Teremos pouco tempo então para falarmos sobre a nossa filha...
- Entendi. Eu já sei o que você quer.
Ele tirou do bolso um talão de cheques e uma caneta, mas, quando estava prestes a escrever, Paula puxou a caneta da mão dele e disse irritada:
- Você ouviu o que eu disse? Eu vim falar sobre a nossa filha e não sobre dinheiro.
Mateus respirou fundo, cruzou os braços e em silêncio esperou que Paula finalmente falasse o que queria.
- Eu vou para Paris. Fico lá até o Natal.
- E? – encarou-a.
- Vou fazer um pequeno curso com um dos melhores estilistas que...
- E aonde entra a menina nessa história? – ele gesticulou impaciente.
- Ela não entra, Mateus. Ela fica. Eu não vou poder levá-la comigo. – Paula bebeu o suco tranquilamente.
- O quê? – Mateus gritou e ao perceber os olhares incomodados dos outros, abaixou a voz: - Como assim, não vai poder levá-la? Quem é que vai ficar com ela?
- Mateus, você! Você é o pai. Embora você queira fugir dessa responsabilidade, tenho que lembrá-lo que você é o pai!
- Eu não quero fugir. Você sabe que eu não tenho tempo para...
- É, eu sei... Você nunca teve tempo. Seu escritório de advocacia, seus clientes
milionários, suas viagens, seus carros sempre
foram mesmo mais importantes...
- Você só pode estar brincando comigo, Paula!
Ele passou a mão na testa, coçou a barba olhando firmemente para a ex-namorada esperando que ela dissesse que aquela conversa era só uma brincadeira. Mas não foi o que aconteceu.
Paula continuou o discurso:
- Agora é a minha vez, Mateus! Eu sempre quis fazer esse curso e apareceu essa oportunidade... Eu não vou deixar passar...
- Paula, você está querendo me enlouquecer, é isso, não é?
- Não, Mateus! Eu quero que você passe um tempo com a sua filha também. A menina tem oito anos. E nesses oito anos, você nunca passou um dia inteiro com ela... Nunca! Você sempre chegou atrasado às festas de aniversário, isso quando aparecia... Nunca foi numa reunião da escola, nunca foi vê-la nas apresentações...
- Você sabe como a minha vida é corrida, Paula.
- Sempre a mesma desculpa, Mateus!
- E eu sempre te disse que eu não queria filhos. – ele segurou impaciente o braço dela.
- E eu sempre te disse que eu queria, mas não com você. Aconteceu. – soltou-se das mãos fortes dele. - E nós dois somos adultos o suficiente para resolvermos isso do melhor jeito. A Maria precisa ficar perto do pai. Eu sempre te disse isso. E essa é a hora.
- É a hora para você. – Mateus falou alto novamente, mas abaixou a voz em seguida. Estava ficando cada vez mais irritado. – Já sei. Você está com namorado novo e quer ficar livre da menina...
- Eu não sou você, querido! A minha filha sempre foi o mais importante!
- É mesmo? – Mateus riu sarcástico. – Tão importante que você pretende deixá-la para ir para Paris fazer a bobagem de um curso de moda.
- Tão importante que eu abro mão de ficar com ela por algumas semanas, para que ela fique perto de você e descubra que lá no fundo, talvez você seja uma boa pessoa!
- Eu não posso ficar com a menina, Paula. Não agora. Eu estou cheio de compromissos, de viagens... Você sabe, é final de ano e tenho muita coisa para terminar. Eu preciso de um tempo para me organizar e...
- Mas eu já pensei em tudo. Você vai ter o tempo...
- Quanto tempo?
- Você tem até quarta-feira para fazer isso.
- Quarta-feira?
- Sim. – Paula se levantou, preparando-se para sair.
- Quarta-feira é depois de amanhã.
- Sim, Mateus. Depois de amanhã... – ela ajeitou a bolsa nas costas. – Você paga o meu suco?
- Aonde você vai? – ele segurou-a pela bolsa.
- Terminar de arrumar minhas coisas. Eu parto depois de amanhã, esqueceu? – Paula tirou cuidadosamente a mão dele da bolsa.
- Não, você não pode ir agora. Nós temos que conversar...
- Não temos não. – ela bateu com a unha no vidro do relógio caríssimo que ele usava, fazendo um barulho que o fez olhar as horas também. – Você tem um almoço com os seus clientes daqui a quatro. Não vai se atrasar. Pode deixar que eu levo a Maria na sua casa. Adeus, querido!
E Paula saiu sem ao menos olhar pra trás.
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Até o Natal
Literatura FemininaQuantas dias são necessário para nascer uma nova paixão? Paixão pela arte. Paixão pela vida. Paixão.