O Beco

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Gostava de caminhar à noite. Nasci nesta cidade, conhecia cada rua, e, ainda que meus sentidos me impelissem a ela, fizessem com que ela fosse uma amante quente, sempre agradável e disponível, sempre tive uma atração por ela. Me localizava melhor sob a luz dos postes, minha mente ficava mais focada, centrada. Eu realmente gostava de caminhar à noite.

Não me importava de andar fazendo barulho com os pés, ocasionalmente chutava uma lata ou caixa de papelão. Era incrível como as pessoas nesta época não respeitam os locais apropriados para o lixo. Apenas jogam-no no chão. Tolos, primatas imbecis, chimpanzés que rolam sobre a própria sujeira, deitam-se sobre folhas acreditando estarem no melhor dos berços.

Olho em volta com certa curiosidade. Pessoas em ambos os lados da rua passam as pressas, voltando para suas vidinhas reservadas. Eu, ao contrário, procuro um lugar para jantar. Poderia ter ficado em casa, no prédio onde sou dono. Tenho certeza que um dos vizinhos me ofereceria uma refeição. A doce senhora do 708 serviria para um lanche rápido, apesar de que, então, seria obrigado a comer mais algumas vezes ao longo da noite. A loira do 604 seria uma opção melhor. Atleta, gostava de correr, apesar de ser viciada em compras e cleptomaníaca. Havia o casal do 403; tinham um filho adolescente e, apesar deste já ter parado, os dois adultos haviam se viciado em cogumelos. Seria divertido. Mas não estava com ânimo de comida caseira. Queria algo diferente, algo novo.

Meus passos me guiam por entre ruas de ladrilhos diversos. A ponta do meu tênis choca-se com uma ponta levantada de basalto de uma calçada. Atravesso a rua sem de fato me importar com sinal ou com veículos, sabia que eles não me importunariam em nada. Um deles para bruscamente, o para-choque negro na mesma cor da lataria encostando-me a lateral da perna direita. Era um sedã de alguns anos atrás, mas não era um modelo caro; naquela região de fato poucos eram os carros caros que se arriscavam a transitar. Acerto o capô com a mão espalmada, fazendo um som seco, no mesmo momento em que seu motorista começa a abrir a porta. Era um negro, mais alto e encorpado que eu. Vestia uma camisa xadreza e, pela expressão em seu rosto, temia que eu o processasse por algum dano que tivesse sofrido. Primata tolo. Sigo meu caminho, dando de ombros e, apesar de seus protestos, principalmente ao ver o amassado que lhe deixei de presente, sigo sem olhar para trás. Um som havia chamado minha atenção.

Havia um som no ar, um tamborilar apressado, excitado, um par dele, na verdade. Estavam distantes, contudo e, a julgar pela minha própria experiência, e pelas batidas que chegavam a meus ouvidos, seus ritmos eram ligeiramente fora de sincronia, como se tivessem intenções diferentes. Outras dúzias de passos seguiram até que aquele som, aquela melodia hipnótica, trouxesse outras pistas. Uma fragrância, duas, visivelmente distintas, invadiram minhas narinas. Parei por um instante, fechando os olhos, absorvendo o ar da noite, o perfume que me era apresentado. Eu conhecia aqueles cheiros e então, o par de sons fez sentido. Era um assalto, um ataque, ou algo do gênero; assaltante e vítima; predador e presa. O cheiro mais forte pertencia, obviamente, ao predador. Era um odor seco, bruto, agressivo, ocre, misturado com o perfume de uma possível loção pós barba barata. O outro havia o toque de lavanda de uma colônia, talvez, colocada às pressas para disfarçar o suor de um dia de trabalho. Seu odor pessoal transmitia um cheiro almiscarado: era medo. Conforme me aproximava, os sons do que acontecia chegavam a mim, sobrepujando os anteriores.

— Por favor! Não me machuque!

Gritou uma voz feminina, aos prantos. Possivelmente estivesse encolhida em algum canto, talvez sobre pilhas de caixas de papel e alumínio.

— Eu estou pegando a carteira e o celular! Não me machuque!

— Ah, eu não vou te machucar se colaborar, vagabunda!

Entre PresasWhere stories live. Discover now