9. Uma visita a Great Holling.

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Na segunda-feira pela manhã, como instruído, fui para Great Holling. Minha impressão ao chegar foi que era como muitas outras cidadezinhas inglesas que já tinha visitado, e não havia muito mais a comentar além disso. Acho que existem mais diferenças entre cidades grandes do que entre as pequenas, assim como há mais a dizer sobre metrópoles. Com certeza eu poderia falar longamente sobre as complexidades de Londres. Talvez seja apenas porque eu não seja muito afeito a lugares como Great Holling; eles me deixam desconfortável - quero dizer, se é que me sinto confortável em algum lugar. Não estou convencido disso.
Disseram que era impossível não ver o King's Head Inn, onde eu ficaria hospedado, mas foi o que aconteceu. Por sorte, um rapaz de óculos , com sardas dispersas no nariz e um jornal em baixo do braço, estava por perto para me ajudar. Ele surgiu de trás de mim, me assustando.
- Você está perdido, não está?
- Creio que sim. Procuro o King's Head.
- Ah! - Ele sorriu. - Foi o que pensei , vendo a mala e tudo o mais. Então não é daqui? O King's Head parece uma casa vista da rua, logo você não notaria , a menos que siga por aquela travessa, está vendo? Vá por ali e vire à direita. Você verá a placa e a entrada.
Agradeci, e estava prestes a seguir as orientações quando ele me chamou de volta.
- Então, de onde você é?
Respondi, e ele disse :
- Nunca fui a Londres. O que o traz a estas bandas?
- Trabalho - expliquei. - Ouça, não quero parecer rude e seria um prazer conversar com você mais tarde, mas gostaria de me instalar primeiro.
- Bom, então não se incomode comigo - disse ele. - Você trabalha com que? Ah... lá vou eu de novo, fazendo outra pergunta. Quem sabe eu não pergunto mais tarde? - Ele acenou e continuou descendo a rua.
Tentei de novo seguir caminho para o King's Head quando ele gritou :
- Pegue aquela travessa e vire à direita! - Mais alguns acenos animados se seguiram.
Ele estava tentando ser simpático e solícito, e eu deveria ficar agradecido. Normalmente eu ficaria, mas...
Bom, vou admitir : não gosto de cidades pequenas. Não contei isso a Poirot antes de partir, mas disse a mim mesmo várias vezes durante a viagem, e de novo quando desembarquei na simpática estaçãozinha de trem. Não gostei da charmosa rua estreita em que estava, que fazia uma curva formando um S perfeito e tinha dos dois lados casinhas que pareciam mais apropriadas para criaturas peludas da floresta do que para seres humanos.
Não gostei de completos estranhos me fazendo perguntas presunçosas na rua, apesar de ter plena consciência da minha hipocrisia, uma vez que eu mesmo estava em Great Holling para interrogar estranhos.
Quando o homem de óculos já tinha seguido seu caminho, não havia nenhum barulho além do som de um ou outro pássaro e da minha própria respiração. Depois das casas vi campos vazios e colinas a distância que, combinados com o silêncio, me trouxeram uma sensação de solidão imediata. As cidades, claro, também podem fazer uma pessoa se sentir solitária. Em Londres, é possível observar quem está passando sem ter ideia de seus pensamentos. Todos parecem inteiramente misteriosos e fechados. Nas cidadezinhas a mesma regra se aplica, mas você desconfia de que todos estão pensando a mesma coisa.
O dono do King's Head era o sr. Victor Meakin, que parecia ter entre cinquenta e sessenta anos e tinha um cabelo ralo e grisalho em meio ao qual suas orelhas rosadas surgiam dos dois lados. Ele também parecia muito interessado em falar sobre Londres.
- O senhor nasceu lá, se não se importa que eu pergunte, sr. Catchpool? Quantas pessoas moram lá hoje em dia? A cidade é muito cheia? É muito suja? Minha tia foi a Londres uma vez e disse que era muito suja. Mesmo assim, eu sempre quis ir lá um dia. Mas nunca disse isso a minha tia... Ela retrucaria, que Deus a tenha. Todo mundo em Londres tem carro?
Fiquei aliviado por a torrente de perguntas não me dado a chance de responder. Minha sorte acabou quando ele chegou à pergunta que realmente lhe interessava :
- O que o traz a Great Holling, sr. Catchpool? Não consigo imaginar que trabalho o senhor teria aqui.
Naquele momento ele parou de falar, e não tive escolha senão não responder.
- Sou policial - expliquei. - Da Scotland Yard.
- Policial? - Ele manteve o sorriso firme, mas passou a me olhar com olhos muito distintos : duros, inquisidores, desdenhosos; como se estivesse fazendo especulações sobre mim e tirando conclusões negativas.
- Um policial - repetiu, mais para si mesmo do que para mim. - Mas por que um policial viria para cá? E um policial importante de Londres. - Como a pergunta não parecia ser dirigida diretamente para mim , não respondi.
Enquanto carregava minha bagagem pelas sinuosas escadas de madeira, o homem parou três vezes para olhar para mim sem motivo aparente.
O quarto onde ele me instalou era agradavelmente simples e arejado - uma mudança bem-vinda comparada à extravagância cheia de detalhes e babados de Blanche Unsworth. Aqui , ainda bem, nenhuma bolsa de água quente com capa de tricô tinha sido deixada. Eu não as suporto , fico irritado só de vê - las. A coisa mais quente em uma cama deve sempre ser uma pessoa, na minha opinião.
Meakin indicou alguns detalhes do quarto que eu poderia ter identificado sozinho ,como a cama e um grande armário de madeira. Tentei responder com uma mistura apropriada de surpresa e alegria. Depois, como teria de acontecer em algum momento, expliquei a natureza da minha viagem a Great Holling, esperando que isso satisfizesse sua curiosidade e permitisse que ,a partir de então, ele me olhasse de uma maneira menos penetrante. Contei a ele sobre os assassinatos do Bloxham Hotel.
Sua boca se curvou enquanto ouviu. Parecia um pouco como se estivesse tentando não rir, mas posso estar enganado.
- Assassinados ,o senhor disse? Em um hotel chique de Londres ?
Que coisa! A sra. Sippel e a srta. Gransbury assassinadas ? E o sr. Negus?
- Então o senhor os conhecia ? - perguntei enquanto tirava o casaco e o pendurava no armário.
- Ah ,sim, eu os conhecia.
- Mas não eram amigos seus , imagino.
- Não eram amigos nem inimigos - respondeu Meakin. - É a melhor coisa, quando você precisa cuidar de uma hospedaria. Amigos e inimigos causam problemas. Parece que causaram problemas à sra. Sippel e à srta. Gransbury. Ao sr. Negus também.
O que era isso que eu estava ouvindo na voz dele - aquela ênfase estranha ? Seria satisfação?
- Perdão, sr. Meakin , mas... o senhor ficou feliz em saber dessas três mortes ou estou imaginando coisas?
- Está, sr. Catchpool. Sem dúvida, está. - Ele negou com a maior confiança.
Ficamos olhando um para o outro por um ou dois instantes. Vi olhos que brilhavam de suspeita, desprovidos de qualquer afeto.
- O senhor me contou uma novidade, e eu demonstrei interesse, foi só isso - explicou Meakin. - Assim como eu me interessaria pelas histórias de qualquer visitante. É o correto e adequado, quando se tem uma hospedaria para cuidar. Mas veja só... Assassinato!
Eu me afastei dele e disse com firmeza:
- Obrigado por me trazer ao meu quarto. Foi muito solícito de sua parte.
- Imagino que o senhor vá querer me fazer algumas perguntas, não é ? O King's Head's é meu desde 1911. O senhor não vai encontrar ninguém melhor para isso.
- Ah ,sim, claro. Assim que desfizer as malas, comer e esticar um pouco as pernas. - Eu não estava ansioso com a perspectiva de conversar longamente com esse homem, mas fazia- se necessário.
- Mas uma coisa ,sr. Meakin, e isso é muito importante: por favor, faça a gentileza de não repetir para ninguém o que contei. Eu agradeço.
- É segredo?
- De jeito algum. Eu só prefiro explicar a situação às pessoas pessoalmente.
- O senhor vai fazer perguntas, não vai? Não há ninguém em Great Holling que vá dizer algo que valha a pena.
- Tenho certeza de que isso não é verdade - devolvi. - Afinal, o senhor já se ofereceu para conversar comigo.
Meakin balançou a cabeça.
- Não acho que tenha me oferecido, sr. Catchpool. Eu disse que o senhor ia querer falar comigo ,não que eu ia querer responder. Mas vou dizer uma coisa... - Ele apontou o indicador ossudo e nodoso para mim. - Se o senhor se deparou com três assassinatos no seu hotel chique em Londres ,e se o senhor é um policial de Londres ,é melhor começar a fazer perguntas por lá ,e não aqui.
- Está insinuando que gostaria que eu fosse embora, sr. Meakin?
- De jeito algum. Seu itinerário está inteiramente por sua conta. O senhor é bem - vindo neste estabelecimento pelo tempo que desejar ficar. Não é da minha conta. - Com isso , ele se virou e foi embora.
Balancei a cabeça, perplexo. Era difícil associar o Victor Meakin de agora com o homem que me recebeu quando cheguei ao King's Head, falando alegre e sem parar sobre Londres e a tia que não gosta de sujeira.
Sentei na cama e me levantei de imediato, sentindo necessidade de tomar um pouco de ar fresco. Se ao menos existisse algum outro lugar para ficar em Great Holling além do King's Head...
Vesti o casaco que havia tirado alguns minutos antes ,tranquei o quarto e desci as escadas. Victor Meakin estava enxugando os copos de cerveja atrás do bar. Ele assentiu quando entrei.
No canto , sentados de cada lado de uma mesa coberta de copos cheios e vazios ,havia dois homens empenhados em se embebedar o máximo que conseguissem. Ambos haviam aperfeiçoado a arte de balançar o corpo estando sentados. Um desses bebedores determinados era um velho gnomo decrépito de barba branca que mais parecia o Papai Noel. O outro era um sujeito corpulento de maxilar quadrado, que não poderia ter mais de vinte anos. Ele tentava conversar com o mais velho ,mas sua boca estava tão frouxa por causa do álcool que fazia - se impossível entender o que dizia. Felizmente, seu companheiro de copo não estava em condições de ouvir , então talvez o que se perderia eram bobagens ininteligíveis, e não tiradas espirituosas.
A imagem do rapaz me perturbou. Como ele havia terminado naquele estado deplorável? Parecia que estava experimentando um rosto e que , se não mudasse de hábitos, logo estaria condenado a ficar com ele para sempre.
- Quer beber alguma coisa ,sr. Catchpool? - perguntou Meakin.
- Talvez mais tarde, obrigado. - Sorri com gentileza. Faço questão de parecer o mais simpático possível com aqueles de quem não gosto ou em quem não confio. - Primeiro , preciso esticar estas velhas pernas.
O jovem embriagado se levantou com dificuldade. De repente, pareceu bravo e disse alguma coisa que começava com "não". O resto foi incompreensível. Ele passou cambaleando por mim e foi para a rua. O mais velho levantou o braço - um processo que demorou quase dez segundos - até seu dedo apontar diretamente para mim.
- Você - chamou.
Eu estava na cidade de Great Holling fazia menos de uma hora , e dois homens já tinham apontado o dedo grosseiramente para mim. Talvez entre a população local fosse um sinal de boas- vindas , mas eu duvidava.
- Como? - disse eu.
O Papai Noel emitiu sons que traduzi como : - "Sim , você, companheiro. Venha sentar na cadeira ,aqui. Ao meu lado ,aqui. Na cadeira que aquele jovem inútil não vai mais usar ,aqui"
Em circunstâncias normais a repetição seria irritante ,mas como eu estava empenhado em um exercício de tradução ,não me importei.
- Na verdade, eu ia dar uma volta pela cidade... - comecei a explicar ,mas o velho estava convencido de que eu não deveria fazer isso.
- Você vai ter bastante tempo para isso depois - gritou ele. - Agora ,venha se sentar ,e vamos ter uma conversa. - Para minha surpresa, ele começou a cantar :

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