Quando os advogados me interrogaram sobre o momento exato em que tudo começou, eu tive que voltar seis anos atrás e contar a minha versão da história. Nela, os acontecimentos foram assim...
***
A cena se repetia. Novamente, eu me encontrava naquele maldito quarto branco em que apenas a mesa de cabeceira com uma fotografia posicionada perto do telefone quebrava a harmonia das pinturas espalhadas sobre a parede.
Bip, bip. Droga! Estava acabando.
Pelas bordas amareladas, dava para notar...
BIIIIIP, BIIIIIP. O som aumentava gradualmente.
Lutei para continuar.
BIIIIIIIIIIIP, BIIIIIIIIIIIP.
Precisava continuar.
BIIIIIIIIIIIIIIIIP, BIIIIIIIIIIIIIIIIP.
Já estava acordado.
Fazia quatro noites que esse sonho havia voltado. Lembrava de já ter presenciado outras vezes, mas nunca em uma sequência consecutiva.
BIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIP.
Emputecido, estiquei o braço pelo móvel e busquei o despertador, trazendo-o para o rosto. Eram oito e quinze da manhã e eu estava atrasado.
Pela hora, eu já sabia que teria que passar o primeiro tempo inteiro na sala de espera e escutaria o sermão da instrutora, o qual eu ignoraria completamente. Mas não estava a fim de receber mais nenhuma advertência, então me vesti correndo e aceitei meu destino, fazendo a caminhada dos atrasados até a sala de aula.
— Fico feliz que veio para a minha aula, Veronese — ironizou o professor de álgebra.
Acenei com a cabeça e sentei na minha carteira, levando o caderno para a mesa. Não era o momento de revidar e, sinceramente, eu era uma bosta nessa matéria. Qualquer coisa só pioraria a minha situação.
Mas, se você acha que eu estava anotando a matéria no caderno, se enganou. Na verdade, fiquei fazendo vários rabiscos aleatórios até que começaram a fazer sentido. Era a minha versão daquele insistente quarto branco.
— Está prestando bem atenção na aula. — Duda apontou para o papel.
— Nem você, pelo visto. — Coloquei a mão sobre a folha.
— O que foi? Que é isso? — Ela tentou se aproximar.
Maria Eduarda, também conhecida como Duda, era minha vizinha desde pequeno. E tinha mais: nossos pais foram amigos durante a escola, então nunca tivemos muita escolha sobre isso. Eram sempre encontros na casa de um e de outro, acabaríamos sendo amigos de qualquer forma. Mas não pense que fomos contra isso! Maria Eduarda era meu oposto, e isso nos atraía.
Além dos nossos gostos por filmes, quando falei que Duda era meu inverso, eu também estava falando no sentido literal. Maria Eduarda era tão loira que poderia cegar seus olhos castanhos. Já eu tinha o cabelo castanho do meu pai e os olhos claros da minha vó, segundo minha mãe.
Claro que em outros aspectos também nos diferenciávamos, porém, com o tempo de convivência, já sabíamos como lidar com a chatice um do outro. No mais, nos aceitávamos e tínhamos um ritual de toda sexta-feira: comer pizza e gastar horas jogando.
— Nada demais. — Rasguei a folha, guardando-a na mochila.
— Certo. — Maria Eduarda fingiu ter concordado, voltando sua atenção para a aula.
Entrar para a escola Minerva não era fácil. Era um colégio concorrido e tinha uma reputação gigantesca em Cabo Azul devido à sua colocação no ranking da cidade e sua taxa de aprovação nas principais universidades do país.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Em Quadrados [DEGUSTAÇÃO]
Misterio / SuspensoLucas Veronese seria um típico estudante do terceiro ano do ensino médio com a rotina resumida em escola, festas e obrigações com o seu futuro, se não tivesse sonhos tão perturbadores e insistentes com um único quarto branco e pinturas com rostos de...