tache

18 2 1
                                    

eu era acordado de meus devaneios a cada segundo por trovões estrondosos que ecoavam pela fresta da velha janela de minha casa.

meus dentes rangiam enquanto eu calmamente seguia para a cozinha com o simples e único objetivo de bebericar um café quente naquela noite tão fria. por falar em noites frias, tudo me lembrava você. quando a brisa encostava na minha pele e ouriçava meus pelos, eu lembrava de você fazendo o mesmo sem ao menos precisar me tocar. resolvi parar meus pensamentos por aí, e pela 1001° vez eu disse pra mim mesmo que daria um basta em tudo que me lembrasse você e essa sua existência particular. mas o problema é que não dá pra excluir as noites frias do mundo, eu não tenho como fingir que tudo sobre elas me lembram você e seus dedos nos meus.

de volta ao meu quarto, sentei-me na pequena escrivaninha que ficava bem ao fundo do cômodo e encarei as folhas brancas com meu café em mãos.. quando de repente um trovão me assusta e eu deixo cair um pouco do líquido nos papéis, que acabam sendo manchados. e incrivelmente aquilo me lembrava você também, droga. no ínicio, éramos duas folhas brancas, eu e você possuíamos lápis e tinta para tingir um ao outro e fazer das folhas, grandes obras de arte. mas antes de qualquer coisa, você manchou nós dois. não manchou apenas a sua parte, mas pingou em mim também. e eu nunca mais fui o mesmo.

encarando aqueles papéis manchados, parei e me perguntei se deveria escrever algo. por um momento me perguntei se você merecia ser eternizado em palavras, me perguntei se as tuas manias estranhas mereciam ser descritas com termos idílicos. me perguntei se eu deveria listar em uma quase-biografia todos os instrumentos que você toca e no final dizer que não há um que você toque melhor do que eu. porque, ah, que falta me faz o teu toque, que falta me faz sentir a tua temperatura oposta da minha bem na ponta dos dedos.

e depois de tudo, depois que você colocou um muro entre a gente e arames farpados pra garantir que eu não chegasse perto, eu quebrei os tijolos e no lugar deixei folhas manchadas de café nas ruínas. foi o que sobrou de nós. é o que tem de você aqui dentro, e enquanto esse mundo existir e as pessoas souberem ler, é você quem elas encontrarão nesses escritos. porque é com palavras que eu te coloco ao meu lado.
e assim você se torna imortal. em mim, e no mundo.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jan 23, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Go SlowOnde histórias criam vida. Descubra agora