Tudo começa com uma colisão

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Ela não queria estar ali naquele banheiro de posto. Se encarava no espelho enquanto tentava ajeitar a peruca – que tinha o tom errado de rosa e começava a pinicar. A noite estava bem diferente da maratona de Cosmos que sua amiga havia prometido.

De última hora, elas haviam sido convidadas para uma festa à fantasia. Tiveram que improvisar. Amanda estava empolgada, linda e sexy em sua roupa de Harley Quinn. Já Duda estava claramente desconfortável com a peruca rosa, o vestido preto e o cigarro apagado – que ela não tinha nenhuma intenção de fumar – entre os dedos.

– Amanda, eu acho que não vou... – diz Duda, sem muita convicção.

– Como assim, não vai, Duda? Já tão esperando a gente no posto, pro esquenta antes do Órbita.

– É que não era bem isso que eu tava planejando pra hoje, né, Amanda. Se soubesse que você ia inventar essa, tinha ficado em casa. Eu nem conheço esses seus amigos. E essa fantasia não tá rolando. Tô me sentindo uma fraude.

– O sentido de se fantasiar é justamente fingir, amiga. É o que deu pra arranjar. Vamo! Não vou te deixar perder essa pra ficar em casa vendo Netflix sozinha. O Neil Degrasse vai ter que esperar. A gente vai ter outras oportunidades pra fazer essa maratona.

Não era verdade. Duvidava muito que a amiga topasse novamente. Tinha sido difícil convencer Amanda a dar uma chance para as "nerdices cosmológicas", como ela denominava o hobby de Duda.

– Olha – continua Amanda – eu sei que não é bem o que você esperava, mas isso pode acabar sendo uma coisa boa. Como é mesmo aquilo que você sempre diz sobre catástrofes?

– "Eventos catastróficos, numa escala cósmica, podem ser tanto para o bem quanto para o mal". E não sou eu quem fala. É o Christophe Galfard.

– Tanto faz. O importante é que é verdade. Vamo, vai!

E antes que pudesse reclamar de novo, Duda já estava sendo arrastada pela amiga. Iam a pé para o posto. A casa de Amanda ficava perto e ainda era relativamente cedo.

***

Os amigos de Amanda já as esperavam lá. Aproveitando a febre do momento, os três estavam fantasiados de Power Rangers. Um azul, um preto e um vermelho. Duda pensou que eles estavam meio ridículos sem os demais integrantes, mas não falou nada para ser gentil. Depois acabou se arrependendo de não ter comentado, pois eles não tiveram o mesmo respeito com a sua fantasia.

– Você é quem mesmo? – pergunta o Ranger Preto.

– Ela é a Charlotte, de Encontros e Desencontros. Um filme inteligente e sensível demais pra estar no radar de vocês, meninos – Amanda responde por ela.

O Ranger Vermelho disse que pensou que Duda era a Penélope, do Castelo Rá-tim-bum. Um coro de risadas. Depois foi a vez do Ranger Azul: ele achou que ela era a piveta chata e gasguita de LazyTown. Mais risadas. Inclusive de Amanda. Maldita peruca. O Ranger Preto foi o único a não fazer piada, mas ria das gracinhas dos amigos. Duda deduziu que o motivo não era gentileza. Talvez apenas não tivesse o cérebro necessário para pensar em algo engraçado para dizer.

Duda pediu licença e foi ao banheiro. Amanda nem tentou impedir; se tinha uma coisa que ela identificava bem, era quando sua amiga precisava de um tempo só.

***

Depois de um bom tempo trancada no banheiro, que por sorte parecia ter acabado de ser limpo, ela resolveu sair antes que alguém reclamasse. Jogou fora o cigarro intacto e abriu a porta de uma vez, esbarrando em alguém.

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