Capítulo três

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Acordei um pouco perdida.

O sol da manhã atingiu o meu rosto e aqueceu a minha bochecha direita. A brisa da primavera balançava as cortinas da janela do quarto. Meus olhos demoraram um pouco para se acostumar com a claridade e perceber que aquele não era meu apartamento.

Era de Luc.

E aquele pijama não era meu.

Era a blusa de Luc.

E aí as lembranças da noite passava vieram à tona e eu me senti mais feliz e amada do que nunca. Abracei o travesseiro que cheirava a lençol recém lavado e Luc, e fiquei repassando na minha cabeça cada momento daquela noite e tentando me lembrar de como eu tinha aceitado ir para o apartamento dele e dormido com ele.

É lógico que não me arrependia de ter feito nenhuma dessas duas coisas, mas eu tinha que pegar um trem ás três da tarde para chegar ao aeroporto às cinco e ir para o outro lado do oceano. Droga de dia que eu fui escolher para embarcar.

Levantei devagar, querendo memorizar todos os detalhes daquele lugar e segui para a cozinha de onde vinha um cheiro delicioso. Eu sabia que era Luc preparando alguma coisa porque ele não estava na cama quando acordei e ele gostava de cozinhar quando ficava feliz.

Acertei quando disse que era ele preparando o café da manhã. Parei na porta e encostei no batente para ficar observando-o cozinhar. Era tão fofo e adulto.

Ele percebeu a minha presença e sorriu, vindo na minha direção para me beijar de um jeito lento e surpreendente e perguntar se eu preferia ovos ou waffles.

– Eu queria tanto que isso durasse pra sempre. — respondi, fechando os olhos.

– Acordar do meu lado?

– Não. Ter o café da manhã pronto todos os dias.

Ele riu e nós nos sentamos à mesa para comer. Eu gostava tanto das minhas conversar com Luc e do jeito que a gente provocava um ao outro. Era como se nada tivesse mudado, a não ser os beijos que trocávamos de vez em quando.

– Sofi? — Luc chamou depois de um tempo.

– Hum?

– Você precisa mesmo voltar?

Eu não respondi, mas lancei um sorriso triste e aquilo foi tudo o que ele precisava para se entristecer junto.

– Eu vou tomar banho e te levo pra casa, tudo bem? A gente resolve tudo lá.

Confirmei com a cabeça e o vi desaparecer ao atravessar a porta da cozinha.

Fiquei um tempinho lá, batucando os dedos na mesa, ponderando se continuava ali ou não. Eu simplesmente não sabia o que fazer.

Nós só estávamos juntos fazia uma noite e queria tanto que o significado do cadeado de ontem à noite fosse verdadeiro, mas a vida era complicada demais. Porque minha vida amorosa estava dando certo bem no dia em que eu estava indo embora?

Levantei rápido e fui me trocar. Eu precisava ir embora porque não conseguia lidar com o fato de que nunca mais veria Luc. Já tinha me despedido de Luciana e ela me prometeu que iria tentar ir no aeroporto, mas seu sobrinho era diferente. Eu não queria ter que me despedir dele. Nem daquela cidade.

Saí do apartamento às pressas, implorando para que ele demorasse muito tempo no banho e me sentindo mal por ter feito o que fiz. Deixei uma carta com uma explicação do que eu estava sentindo em cima da cama, mas aquilo era muito pouco. Aquilo era pouco para o que eu sentia por ele.

Cheguei em casa a tempo de fazer as malas, empacotar o que faltava e colocar uma roupa mais confortável pra quem passaria horas viajando.

Toda aquela correria me fez esquecer de Luc por um tempo, mas, quando parei para descansar, percebi que não tinha nenhuma ligação perdida e nem uma mensagem. Ou ele estava muito bravo ou muito magoado. Os dois eram de cortar o coração.

Meus pais me ligaram para saber se estava tudo bem e se eu já estava saindo. Conversamos um pouco e minha mãe recitou uma lista de coisas que eu não podia esquecer no apartamento. Prometi que não tinha esquecido nada e que estava levando algumas coisas para casa.

Depois de desligar, fiquei um tempo olhando para o apartamento. Eu sentiria falta de lá. Falta dos franceses passando pelas ruas. Fakta dos doces maravilhosos. Da Torre Eiffel. Falta do meu lugar favorito.

A minha janela dava vista para a ponte de cadeados e eu me esforcei para não chorar. Não tinha chorado em nenhum momento e não seria agora que faria isso.

Coloquei as minhas coisas no carro e dei a partida. Eu já tinha mandado uma parte da minha bagagem para o Brasil, então só o que sobrou foram minhas malas de roupas, a mala de coisinhas que eu levaria pra me lembrar daqui e uma caixa que sobrou.

Cheguei na estação de trem e, pela primeira vez, me senti perdida. Eu sabia andar por aquela estação melhor do que qualquer pessoa, mas meu cérebro parecia um breu quando percebi que teria que dar tchau para tudo aquilo.

Eu não iria chorar. Não iria chorar.

– Eu gostei da sua carta. — dei um pulo ao escutar a voz de Luc atrás de mim.

Droga, o que ele estava fazendo ali?

– Luc, eu não... eu só... eu preciso ir e... — as palavras pareciam difíceis de sair da minha boca.

– Sofi, você já se despediu. Agora é a minha vez de me despedir.

Quando ele me abraçou, eu engoli o choro. Já estava difícil me despedir da cidade, mas era mais doloroso ainda me despedir dele.

– Luc, eu não posso fazer isso. Meu lugar é aqui. Na cidade do amor. Com você. — espera, a minha bochecha molhada era por que eu estava chorando?

– Sofi, isso o que a gente encontrou não vai mudar tão fácil. Você pode me ligar sempre que quiser e sempre que puder.

– Mas eu vou estar no Brasil e você aqui, na França. E nós nem sabemos o que é isso que temos. Como vai durar se nós nem definimos nada?

Ele limpou as minhas lágrimas e pegou em meu rosto, para que eu olhasse fundo em seus olhos.

Je t'aime, mon ange. Desde o primeiro dia em que coloquei meus olhos em você. E nada vai mudar. Com você longe ou perto, não vou mudar o que sinto. Eu iria até o outro lado do mundo por você, se fosse preciso. — Deus, o sotaque dele era a coisa mais fofa do mundo.

– O Brasil não é do outro lado do mundo. — falei, rindo em meio ao choro.

– Mesmo se fosse, eu não hesitaria em ir só parar encontrar você no final da jornada. Nós vamos dar um jeito, Sofi. Nem que eu tenha que me mudar para o Brasil ou você para Paris. Nós vamos dar um jeito.

Então, eu o beijei com tanto desespero e vontade que até me estranhei porque não fazia isso com frequência. Eu não sabia o que tínhamos ou o que seria de nós depois que entrasse naquele trem, mas tinha certeza de que Luc daria um jeito de voltar para mim. E eu, com certeza, daria um jeito de voltar para ele.

– Só me promete... — comecei, já me acalmando — que você vai ligar todos os dias. E que vai me visitar sempre que der. E sempre que não der também.

Ele riu e disse que compraria agora mesmo uma passagem para São Paulo. Sabia que era só brincadeira, mas me deixou mais esperançosa.

– Isso não é um adeus, Sofi. — ele sussurrou, tão perto de mim que seus olhos brilharam.

– Eu sei que não. Você ainda vai me aguentar por um bom tempo.

Nós ficamos um tempo sem nos desgrudar, até que percebi que meu trem já estava de saída. Olhei para ele mais uma vez e me lembrei do cadeado que colocamos na ponte e na chave que jogamos no rio. Aquilo com certeza não era um adeus.

Corri para entregar minha passagem e, antes de entrar no trem, olhei para Luc. E a expressão sonhadora no rosto dele me fez seguir em frente.

Escolhi um lugar e afundei no acento antes de suspirar e prometer para mim mesma que eu voltaria para Paris. E, daquela vez, era para ficar.

Meu celular tocou assim que o trem começou a andar e vi o número de Luc na tela. Fiquei preocupada com uma ligação tão repentina.

– Luc? Está tudo bem?

– Está sim. Só queria dizer que estou com saudade da minha namorada brasileira. E que vou até o outro lado do mundo se for preciso.

Eu sorri.

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