Flores para Sofia - duas.

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     Minha carência de naturalidade era notável. Eu estava demorando demais para responder. Precisava me recompor, apesar de parecer impossível. Enquanto eu esfregava minha nuca, respondi com um trêmulo sorriso.

- Não tenho ninguém para dar flores, senhorita.

     Ela pareceu surpresa com minha resposta. Enquanto mexia no próprio queixo, quase como uma criança. Cativando-me com aquele sorriso, ela me sugeriu algo que me assustou.

- Então, dê para mim.

     Sofia mostrou que não estava brincando, quando pegou uma flor branca em seu cesto, "esta é a minha favorita", murmurou como se fosse um segredo. Com a flor em mãos, fiquei pensando sozinho no que deveria fazer, ou o que ela queria que eu fizesse. Meus lábios tremiam bastante, sílabas picotadas saiam de minha boca, enquanto eu tentava oferecer o presente a ela.

- Vinte. - Ela me interrompeu.

- Vinte? Como assim?

- São vinte reais. - Ela disse, como se fosse óbvio. - Você não pensou que fosse de graça, não é?

     Eu já estava pegando o dinheiro em minha carteira, quando me dei conta do valor que ela impôs.

- Espera! Vinte reais em uma flor? Isso é muito caro, e eu nem ficarei com ela!

- Eu sei que é caro... - Sofia murmurou, virando seu rosto. - Mas estou juntando esse dinheiro para ajudar um familiar que está doente!

     Não havia jeito. O brilho no olhar que revelou uma mulher profunda, aquilo me comoveu. Então, ela estava fazendo tudo isso para ajudar um parente? Eu não seria insensível a ponto de negar dinheiro para alguém tão esforçada. Sem pensar, peguei mais do que apenas vinte, eu realmente fui tocado por sua causa.

- Fique com o troco. - Respondi com a melhor expressão que eu tinha.

- O que? Tem mais de dois dígitos aqui! - Sofia gritou, depois de contar o dinheiro.

- Você precisa ajudar alguém, não é? - Tentando fazer uma pose, ergui meu polegar, fazendo um sinal positivo. - Dê o seu melhor!

     Envergonhado, me virei logo em seguida, levando a flor comigo. Quando eu já estava metros distante dela, ouço a voz dela a me chamar.

- Você não vai me dar a flor?

- Eu te darei flores, mas outro dia!

     Respondi num impulso. Notei em sua expressão, que ela não havia entendido o que eu disse. Naquele dia, eu me senti renovado. A cidade cinzenta já se tornava mais colorida, já conseguia ver a cor das bancas de frutas, vitrines com os mais variados vestidos e donas de casa estendendo lençóis de seda na janela. Vi uma nova cidade, minha vida virou completamente ao avesso, graças a uma florista. Todos os dias, no meu caminho para casa, eu comprava uma flor com ela e sempre dizia a mesma coisa: "dê o seu melhor!" Ela assentia, e eu seguia com meu caminho.

     Quando pensei que não poderia ficar melhor, descobri em uma conversa que ela era amiga de um dos meus colegas de trabalho. Será que eu teria uma chance com ela? Talvez o destino esteja armando esse palco para atuar, e eu estava disposto a participar desta linda peça teatral.

     Saíamos em grupo. E sempre que podia, eu tentava investir, cantando-a de alguma maneira medíocre sem resultados, mas isso nunca pareceu incomoda-la. Como homem, eu estava frustrado; finalmente eu me apaixonei, e a pessoa amada não correspondia meus sentimentos. Apesar de estar decepcionado comigo mesmo, nunca parei de comprar flores com ela, esta era minha "boa ação".

     Eu me mantive esperançoso por muito tempo; pensava que meus sentimentos logo mudariam, mas eu estava errado. Dois meses se passaram, e continuei amando-a dia após dia. Seu jeito distraído, sua dedicação e firmeza, tudo isso me deixava louco. Você deve estar se perguntando: "por que você não se confessa para ela?" já estou chegando nessa parte.

     Naquele dia, minha esperança de ser o parceiro de Sofia caiu completamente. Ela estava falando mais naquele dia; ela até estava rindo genuinamente das minhas péssimas piadas; contando mais sobre si mesma, enquanto tomávamos um vinho sob a fraca iluminação noturna do restaurante. Se não fosse naquele dia, não seria nunca mais. Eu decidi que iria confessar meus sentimentos para Sofia. Estávamos a sós; mesmo que tenhamos bebido um pouco, eu estava nervoso. Com meus lábios tremendo, tentei dizer o que sentia:

- Sofia, sabe... quero te dizer uma coisa que eu deveria ter dito há muito tempo.

- Huh? Você poderia ter dito antes. - Sofia disse, antes de pausar para tomar um gole de sua taça. - Eu também quero dizer algo assim.

     Meu coração estava batendo muito forte nessa hora. Seria possível? Sofia também sentia algo por mim? No auge de minha curiosidade, perguntei o que ela queria dizer.

- Sabe. Hum...

     Sofia estava tropeçando nas palavras. Eu queria que ela dissesse logo. Seria o momento mais feliz da minha vida! Isso era o que eu pensava.

- Bem... você é meu melhor amigo. Pode me contar o que quiser!

     Se alguma vez você ouviu isso da pessoa que amava, sentiu-se exatamente como me senti. Meu diafragma parecia se quebrar, de tanto que doía. Meus olhos, ela poderia perceber que eu estava lacrimejando, se não fosse o álcool. Se eu olhasse para fora, veria as cores da cidade se descascarem, revelando o temeroso cinza novamente. Eu me esforcei muito, para que ela não percebesse minha real reação.

- Que bom! Você também é minha melhor amiga.

     Foi o que eu disse. A partir daquele momento, eu já não estava tão concentrado na conversa. A única coisa que me lembro, é de ter bebido muito mais, de tanta frustração que senti; também me lembro da maldita ressaca que tive no dia seguinte. Se me fizessem aquela pergunta naquele momento, eu responderia: "sim. Acredito no amor, ele é o sentimento mais cruel do mundo".

     Dois anos se passaram desde aquele dia. Meu contato com Sofia diminuiu gradativamente nesse tempo, até chegar a zero. Eu já não conseguia vê-la vendendo flores, mesmo que eu pudesse, evitaria o máximo possível. Me arrependo profundamente por não ter me confessado naquele momento; eu tinha bebido bastante, passaria despercebido. Meus dias voltaram à monotonia de ir do trabalho para casa e vice-versa, sob o céu cinzento da fumaça das fábricas. Eu nunca conseguiria me apaixonar de novo. Havia uma coisa que eu precisava fazer.

     Certo dia, me encontrei olhando para a calçada onde conheci o amor da minha vida. Os momentos que vivi com Sofia vieram na minha cabeça instantaneamente, como um disparo, girando e dançando ao redor de meu cérebro. Eu não podia suportar mais, eu precisava fazer isto. E seria agora.

     De um ímpeto, eu me virei e comecei a correr, não para um lugar qualquer, eu iria fazer isto. Do fundo do meu peito, com todo o meu sentimento, assustando a multidão, gritei:

- Eu vou me declarar! Irei comprar flores para Sofia!

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