{Capítulo 1}

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...

- Deixa que eu abro!

Gritei na direção da sala em que meus pais estavam, eles ouviam músicas românticas e estavam dançando. Mamãe estava flutuando pela sala, seu sorriso era de encantamento, de gratidão e acima de tudo amor. Ela olhava para papai. Papai não era muito de sorrir, não especificamente nos lábios, mas quem o conhece sabe que seus olhos são seu melhor transmissor de felicidade. Fiquei os observando, se tinha algo a me orgulhar de meus pais era o amor que eles sentiam um pelo outro e que vinha em forma maior ainda para mim. Ouvi batidas na porta e lembrei o que estava indo fazer. Eu não sabia qual loucura ele iria aprontar, mas lá no fundo, quer dizer, bem no raso de mim eu estava amando essa ideia, eu só queria poder sair de casa, curtir o primeiro dia desse novo ano e não pensava em alguém melhor que o Pedro para isso.

Quando abri a porta ele sorriu e não pude deixar de retribuir. Meio sem jeito ele se aproximou e me deu um abraço, ele estava perfumado, de uma forma extremamente correta e encantadora. Não consegui parar de sorrir, Pedro não era mais aquele garoto do ensino médio, meu melhor amigo, que tinha muitas espinhas no rosto, um cabelo castanho loiro sem graça e despenteado, no ruim da palavra e um corpo tão magro que chegava a encurvar um pouco. Ele era outro garoto. Ou melhor quase um homem, tínhamos dezenove anos agora e não havia mais espinhas e seu cabelo era bagunçado, num sentido bom, muito bom. Seu corpo não se encurvava mais, o que deixou ele alguns centímetros mais alto que eu, e bem... haviam músculos saltando de sua camisa, o que era totalmente novo para mim. Assim como reparei em cada detalhe seu pude perceber que ele fazia o mesmo comigo, a Aurora de 17 anos era totalmente diferente da que ele via agora, sempre fui meio alheia a questões de beleza, talvez fosse confundida como um garoto ao andar com o grupo de amigos do Pedro, mas quando entrei na faculdade de Direito minha mãe me obrigou a prestar mais atenção nessas coisas, e no final das contas eu me encantei, eu me sentia uma menina mulher, a maquiagem foi o primeiro passo, em seguida compras no shopping com minha mãe e por fim decidi entrar numa academia. Eu sempre tive um corpo fora do padrão, e nunca me importei, mas sabe quando você tem aquele desejo de se olhar no espelho e querer enxergar alguém diferente, mas ao mesmo tempo igual a você? E então eu consegui, eu apenas defini meu corpo, não tinha nenhuma intenção de parecer uma modelo desnutrida. Mas tenho certeza que fez uma grande diferença, e Pedro percebeu, ele me olhava desacreditado, tive a sensação de que queria tocar cada parte de mim, mas então desistiu, como se eu fosse um prêmio inatingível.

- Oi, Aurora. Uau, você está diferente!

- Oi, Pedro. Entra. - assim que ele passou fechei a porta atrás de mim. - Olha pra você! Não é mais aquele Pedrinho magricelo.

- Por favor, vamos manter esse apelido bem no passado.

- Claro, claro. - disse segurando, sem sucesso, uma gargalhada.

- E então seus pais... - ele pigarreou clareando a garganta. - Chama eles, tenho um plano. - disse arrumando a gola de sua camiseta branca, que combinava com sua calça preta justa e seu tênis Adidas. Ele estava incrivelmente diferente. Na verdade, estava lindo. E então algo dentro do meu coração, que estava guardado em um grande compartimento, saiu fazendo meu estômago se contrair, meus olhos brilharem como efeitos do instagram e minhas mãos soarem. Aquele sentimento que sempre escondi de todos, inclusive de mim mesma.

...

O plano de Pedro consistia em: nada além de falar a verdade!

O que eu não entendi é que se fosse assim eu mesma poderia ter falado, mas como ele diz: "Precisa ter o feeling", que no caso só ele tem para convencer os pais.

Assim que disse aos meus pais que Pedro estava na cidade, e nesse momento na nossa sala de TV, eles passaram por mim felizes e rindo indo ao encontro dele, me deixando ali parada na outra sala. Talvez Pedro fosse mais querido que eu no final das contas. Ele sempre foi meu melhor amigo e vivia em casa na época da escola, mamãe sempre demonstrou seu amor por ele, e inúmeras vezes tentava nos deixar envergonhados dizendo que éramos um casal, o que sempre foi muito desconcertante já que eu tinha esse sentimento dentro de mim. Mas nada mudava na feição de Pedro, o que me dava certeza que esse sentimento só existia em mim. Ou talvez ele ficasse nervoso de uma outra forma, vai saber.

- Pedro, meu querido! Feliz ano novo! Que saudades de você, estava muito sumido de nós, hein? Não sabe o quanto sentimos sua falta, principalmente nossa linda Aurora, né filha? - Mamãe sorria enormemente e olhava pra mim, que estava com a mão no rosto em forma de "total desespero" e pra Pedro que segurava uma gargalhada.

- Dona Heloísa. Feliz ano novo! Muito bom ver a senhora de novo, estava com saudade da sua animação. E de conversar com o senhor Alberto, viu que nosso time está melhor do que nunca? Esse ano promete. - aquele assunto ia longe, então sentei ao lado de mamãe no sofá.

Mamãe me encarava, aquele olhar de mãe casamenteira e um sorrisinho irritante, que queria insinuar que algo a mais estava acontecendo entre nós dois. Revirei os olhos e disse "Você tem muita imaginação, deve ser por conta das novelas, mamãe". No fim, gargalhamos juntas chamando a atenção dos "rapazes". E então Pedro disse nossa intenção para essa noite, na verdade era dele já que eu não sabia de nada, mas no fim eu senti que fazia parte disso, e mais do que nunca queria viver isso. Tínhamos uma lista de "8 coisas a serem realizadas" nesse primeiro de Janeiro. Meus pais ficaram radiantes com a ideia, disseram que eu estava muito tempo em casa desde que a faculdade começou e nosso grupo da escola foi se desfazendo, já que a maioria mudou de cidade. Mas na verdade o motivo principal era que Pedro não estava lá, não tinha muito sentido sair, me divertir sem ele, mesmo que imaginasse que ele estaria fazendo o contrário na cidade que morava agora. Antes de sairmos meus pais deram dois conselhos "Se divirtam, mas com juízo, muito juízo, não queremos acordar com a notícia de que nossa filha está dormindo na praça". E claro tinha muitos sentidos naquela frase.

Antes de sairmos fui ao meu quarto, peguei minha bolsa, dei uma arrumada no vestido, repassei o batom vermelho e me encarei no espelho. Estava radiante e linda. Para ter uma ajudinha a mais disse a mim mesma, "Coragem Aurora, viva essa noite como se não houvesse mais nenhuma".

Ao descer as escadas Pedro me esperava apoiado na parede mexendo no celular, por um momento parei e senti meu coração acelerar, ele me causava arrepios sem nem ao menos olhar para mim, e quando ele olhava, assim como fazia agora, eu sentia meu coração sorrir, e ficava tão cheio que tinha que sair pelos meus lábios, formando o mais puro sorriso. Com o mesmo sorriso, ele abriu a porta.

- Ei! Pronta para a melhor aventura da sua vida?

...

Um Beijo Desconhecido ☑Onde histórias criam vida. Descubra agora